Um ar de stand-up

“Ella y Todo lo Otro”, de Rodrigo Lappado e Damián Vicente, é um curta engraçadíssimo, com peculiaridades interessantes, pois em certas horas tem um ar de stand-up, muito usado hoje na televisão brasileira, em séries como “Morando Sozinho”.

Com o personagem contando histórias hilárias de como não se dá bem em primeiros encontros, Lappado conseguiu deixar um clima leve e bem descontraído para que esse curta de apenas seis minutos atingisse o público diretamente na base do humor. Ao ver as cenas em que o personagem paga o maior mico, muitas vezes pensamos: “isso já aconteceu comigo”.

Outra coisa que me chamou bastante a atenção no curta foi o fato de ser bem montado, sabendo conciliar as cenas em que as situações acontecem e aquelas em que o personagem principal está sentado na privada, contando a história. Isso dá um dinamismo essencial para que dessem certo as “piadas” de “Ella y Todo lo Otro”. Nesse ponto, ele me fez lembrar um pouco o seriado americano “Todo Mundo Odeia o Cris” — que, diferentemente deste curta, usa muito off. (Henrique Gois de Melo)

“Ella y Todo lo Otro” está na Mostra Latino-Americana 1.

Como superar a “dor do corte”

Ao ver o curta “O Estranho”, senti uma necessidade tremenda de voltar a uma crítica feita por mim nessa oficina ano passado (leia aqui). No texto, “Fantasia contra a solidão”, havia explanado sobre o excesso de seqüências sem diálogos e ação que não contribuíam muito para a narrativa e davam uma natureza mórbida a certos filmes.

Essa crítica criou uma pequena discussão nos comentários. Renata deixou uma questão muito interessante ao comentar meu texto e o que haviam dito sobre ele: “Há verborragia nas imagens também, ou não lemos imagens?”. Neste texto, concordo com o que disse Renata no ano passado. Lemos imagens, sim, e há verborragia nelas.

“O Estranho” é um filme sem falas, ou melhor, sem diálogos. As imagens a todo tempo nos dizem coisas e a sonorização do filme foi muito bem feita, ajudando na construção de uma obra rápida, que não necessita de palavras faladas para se auto-explicar, e que a todo o momento dá ao espectador informações visuais que facilitam a compreensão da história.

Esse filme me fez pensar na questão da “dor do corte”, que nada mais é do que a frustração de algumas vezes não poder usar imagens captadas nas filmagens, mesmo que sejam muito boas, pois elas não funcionam para que a obra possa contar bem a história a que se propôs. Sinto que essa “dor do corte” atrapalhe um pouco certos filmes, que têm histórias boas, mas pouco dinamismo.

“O Estranho” tem uma construção muito sólida e, mesmo sendo um filme ágil, os elementos estão bem colocados, tanto na questão de carga de sentimentos como na narrativa. A história segue sem que tenhamos que olhar para o lado e perguntar para o companheiro “por que aconteceu isso?”.  O grande mérito de “O Estranho” é saber suportar a “dor do corte”. (Henrique Gois de Melo)

“O Estranho” está na Mostra DF5.

No entiendo

Os avós são recorrentes no trabalho de Michael Wahrmann. Depois de “Avós” (2009), o diretor realiza “Oma”. No futuro, quem sabe, ele complete uma trilogia sobre a temática. Wahrmann conta que, numa busca para combater o tédio da tarefa de visitar a sua avó todos os dias, ele passou a filmá-la. Assim, se entretinha nas horas de palavras trocadas, desentendimentos e repetições. Decidiu buscar esse material anos depois, e ver o que poderia resultar disso porque, segundo ele, “uma coisa é filmar a sua família, a outra é mostrar isso para o público”.

A sinopse do filme é sucinta e clara: “Ela fala alemão. Eu falo espanhol. Ela não escuta. Eu não entendo”. Pode-se dizer que a fala mais freqüente no curta inteiro é “no entiendo”. O diretor uruguaio tenta conversar com a avó, que oscila entre espanhol e alemão como que sem se dar conta. Ela parece desesperada por manter esse vínculo que parece escapar por entre seus dedos, por entre as palavras que o outro não domina.

Uma ficcionalização da vida real, uma auto-ficção. Os dois personagens encenam um teatro para a alegria do outro. Ele finge que fotografa, ela finge que posa. O ritual da chegada ao apartamento, da visita, da despedida é, literalmente, um filme com começo, meio e fim, em constante repetição.

As cores do filme são o olhar de Oma, da avó que mal consegue ver, e fala que vê tudo cinza. O curta não deixa de ser auto-referencial; as imagens em preto-e-branco funcionam como se um espelho tivesse sido posto em frente à própria personagem-título.

Em “Oma”, como no curta anterior, a comida é associada às avós; as bolachas oferecidas devem ter gosto de infância. Os gestos acabam tornando-se sua maior forma de demonstração de afeto, já que as palavras não funcionam mais.

Esse é o recorte que Wahrmann quis dar a essa vivência; isso é o que ele quis que o público visse. Seu pedaço de história que quis compartilhar, expor, mostrar para o público. (Mariana Serapicos)

“Oma” está na Mostra Brasil 2.

O futuro do audiovisual

Um mix de imagens, num ritmo muitas vezes frenético, como num videoclipe, fez com que todos que estavam na sala se pregassem nas confortáveis poltronas da Sala Petrobras da Cinemateca e não fechassem os olhos nem para leves piscadas. Não se ouviam na sessão conversas paralelas; o silêncio do público só era quebrado por gargalhadas despertadas por cenas hilárias da obra.

A sonoplastia é algo que foi bem utilizado em “Remixofagia – Alegorias de Uma Revolução”. Músicas e efeitos foram usados de maneira bem sucedida para prender a atenção. Em dados momentos, a forma de empregar som e imagem é semelhante à das vinhetas dos quadros do “Pânico na TV” em relação à dinâmica e à brincadeira com os elementos, com uma diferença: o lado crítico, de certa forma até politizado, está mais presente no curta de Rodrigo Savazoni.

Sobre o dinamismo, presente em grande parte dos filmes da Mostra DF5, foi perguntado aos diretores se isso tem a ver com o fato de os vídeos terem como meio de exibição a internet. Eles confirmaram essa impressão, deixada principalmente por “Remixofagia”. Digo isso porque a internet, além de ser o meio de difusão da obra, é de certa forma o tema dela também, já que o filme trata a relação entre o livre acesso à cultura trazido pela internet e a questão do direito autoral, algo muito discutido e discutível para quem faz e consome arte.

Em dados momentos, o filme deixa escapar uma predileção pela questão da arte livre para acesso na rede. Algo interessante e que aumenta mais essa impressão é que várias partes do filme são feitas de recortes de reportagens, imagens transmitidas por emissoras de televisão, entre outras, que parecem ser tiradas de sites exibidores de conteúdo, como o You Tube.

A linguagem empregada, principalmente no começo do filme, lembrou um pouco “Ilha das Flores” (1989), dirigido por Jorge Furtado, quanto a relacionar as coisas e daí ir tirando novas coisas, de o que já foi mostrado servir de fio condutor para trazer um conteúdo novo, e tudo estar de alguma forma relacionado, como engrenagens que fazem andar a narrativa.

Algo que me espantou foi saber que os filmes apresentados na mostra eram feitos em produções independentes, como coletivos. A qualidade de “Remixofagia”, entre outros filmes, nos faz pensar que o futuro do audiovisual talvez esteja na periferia, em pólos criadores de menor renda, como oficinas, e em pessoas aficionadas por cinema que produzem sem recursos, juntando os amigos com o propósito de criar arte — especialmente se levarmos em conta a internet. (Henrique Gois de Melo)

“Remixofagia – Alegorias de Uma Revolução” está na Mostra DF5.

Entre gritos e sussurros

Na Mostra Brasil 2, o conjunto de curtas-metragens aborda a tensão, tanto nas relações familiares como nas sociais: entre neto e avó em “Oma” (de Michael Wahrmann), mãe e filhos em “Pra Eu Dormir Tranquilo” (de Juliana Rojas), patrão e empregada em “Gisela” (de Felipe Sholl) e dos quatro personagens envolvidos em “Contagem” (de Gabriel e Maurilio Martins).

A angústia, o medo e, por vezes, o terror perpassam os enredos. “Meu Medo” é o único que tangencia o tema explorando-o de outra maneira, na medida em que o conflito não vem exatamente da sociabilidade, mas da sua ausência. O filme de Murilo Hauser condensa esses sentimentos e combina o realismo e o fantástico presente nos demais curtas-metragens em uma animação – a única da sessão – executada com técnica de computação 3D. O argumento é simples: qual é o seu medo e como agir diante dele?

Para narrar essa história, a direção de arte segue um registro realista, na cenografia, e também o seu oposto, quando se tratam dos traços do protagonista. Olhos pequenos, nariz vermelho, corpo magro e tamanho extremamente diminuto o deixam ora com aparência de criança, ora de adulto. A ambiguidade se repete no cenário, um apartamento cheio de caixas com brinquedos, e na situação, dado que o personagem não está acompanhado de pai ou mãe.

Assim, objetos, sombras e até o ensurdecedor silêncio aos poucos tornam-se ameaças. Ou o grande culpado seria o monstro (ou a pessoa) que habita o outro lado da fenda da parede da cozinha? Ou na verdade é a solidão que o deixa tão frágil? Não há uma resposta, pois “Meu Medo” é isso e muito mais, uma animação tecnicamente belíssima que mistura lembranças, ansiedades, medos infantis e maduros de todos os nós, humanos. Demasiado humanos. (Camila Fink)

“Meu Medo” está na Mostra Brasil 2.

O medo de dentro

Murilo Hauser e Henrique Martins estão dando novas formas ao cenário da animação brasileira. Narrativa onírica e cores escuras moldam os trabalhos da dupla. Em seu trabalho mais recente, “Meu Medo”, eles tratam da infância de uma maneira mais aparente do que no trabalho anterior, “Silêncio e Sombras” (2008), mas não por isso menos poética.

Um garoto preso em casa tem seu mundo restrito a poucos cômodos, uma TV, um cobertor e um vaso de plantas. Esse pequeno universo toma um tamanho descomunal, tudo se engrandece. Os sentidos são aguçados e ele se torna refém de suas próprias paredes; a casa toma vida, ela respira. Lacrado naquele ambiente, como a sua própria planta, ele busca por alguns raios de luz.

Serão delírios de uma febre alta esse monstro no qual a sua prisão se transformou? Ou será apenas a perspectiva infantil sobre um lar vazio? Sem contato com a chamada “realidade”, com o mundo exterior, o mundo interior pode sofrer metamorfoses; as possibilidades são inúmeras. As asas para a imaginação acabam sendo um sinônimo para oportunidades para a criação, criação assustadora.

O único refúgio para a paz se encontra na janela, o portal para o mundo lá fora,  que apresenta perigos muito mais palpáveis. Os sons da rua ofuscam os sons de dentro, o medo se torna menos claro, quase inaudível. Será o tangível mais seguro? Os carros, o perigo da rua? Com o tempo, nós acabamos tirando nossas próprias conclusões e optamos por deixar a janela aberta ou fechada. Quem sabe só uma fresta. (Mariana Serapicos)

“Meu Medo” está na Mostra Brasil 2.

Das coisas simples da vida

“Qual Queijo Você Quer?” já diz logo a que veio. Detalhes de uma mesa, enfeites, bibelôs, aparelhos eletrônicos. Um plano se inicia em um retrato de um casal pendurado na parede e termina enquadrando os protagonistas no sofá da sala.

São essas pequenas coisas, como o pedido de Afonso para comprar um queijo, que ocasionam a crise nervosa de Margarete. Enquanto ela se incomoda com a sua condição de idosa, com o que fez ou deixou de fazer durante os anos e qual o sentido de viver para se aproximar da morte, o marido parece conformado – ou talvez nem sequer tenha se questionado. Destaca-se a trilha sonora de Mateus Mira, acompanhamento gracioso para as ótimas atuações de Henrique César e Amélia Bittencourt.

A temática deste filme catarinense é comum a outros curtas-metragens brasileiros. “Rosa e Benjamin”, de Cléber Eduardo e Ilana Feldman, discute o tédio representado pela rotina e a presença de “outros” (vizinhos) interferindo no dia a dia de um casal morador do Jabaquara. “O Bolo”, de José Roberto Torero, também se debruça sobre idosos em pequenas agressões mútuas e que continuam amorosos, apesar dessa estranha e diferente forma de comunicação e carinho.

Conflitos de relacionamento e crises existenciais podem aparentemente estar relacionados apenas à juventude. Curtas como o da diretora estreante Cintia Bittar conseguem explorar esses temas em um universo delicado e sensível, com diálogos ricos e reflexivos. No final, uma indicação de que “nunca é tarde para mudar” ou apenas de que a vida também é feita de pequenezas, tic-tacs e queijos. (Camila Fink)

“Qual queijo você quer?” está na Mostra Brasil 1.

De amor, não de terror

São tantos os filmes em vídeo que quando vemos uma primeira cena em 35mm ficamos todos ansiosos. Começa assim, com uma mancha vermelho-película, o filme “Pra Eu Dormir Tranquilo”, dirigido por Juliana Rojas.

Falecida, a babá do menino Luís ressurge de dentro de seu armário. Quando o menino abre a porta, anuncia-se o vulto de Dora em meio à penumbra, cena formidável. A naturalidade do jovem ator David Navarro surpreende. Aliás, todo o elenco é firme e bem dirigido.

Para que a babá possa ficar perto do garoto e continue a lhe dar atenção e carinho, Luís precisa satisfazê-la em seu apetite curioso. Algo fantástico e diferente do conteúdo do que costumamos ver no panorama de boa parte dos curtas brasileiros. O argumento original enriquece o filme, além de guiá-lo para lados extremos, do relacionamento com a mãe que está grávida até a relação do jovem com a babá defunta.

“Não é um filme de limites no sentido do ‘terror’”, afirmou a diretora ao final da primeira sessão do curta no festival. “O filme expõe relações de maternidade da babá com esse menino, a relação de cuidar de uma criança. São duas mulheres no limite. Enquanto a mãe está em crise sobre como se relacionar com Luís e o filho que está por vir, Dora surge para cuidar do menino e ter com ele essa relação de maternidade.”

A estreia de “Trabalhar Cansa”, primeiro longa-metragem de Juliana (codirigido com Marco Dutra e selecionado para a mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes deste ano), está prevista para setembro. (Mirrah Iañez)

“Pra Eu Dormir Tranquilo” está na Mostra Brasil 2.