A MEMÓRIA À LUZ DO FÓSFORO – Rua Ataléia, de André Novais Oliveira
por Leandro Silva Lopes
É quase sempre de onde pisa o pertencimento de André Novais Oliveira que enxergamos seus filmes. É muito de Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte. O que assistimos é fruto de como ele percebe o seu próprio território, suas raízes e lembranças. Um realizador das belezas que só as insignificâncias rotineiras são capazes de proporcionar.
Podemos percebê-lo assim a partir da sessão Diálogos: André Novais, composta pelos filmes Fantasmas (2010), Domingo (2011), Pouco mais de um mês (2013), Quintal (2015) e Rua Ataléia (2021).
Nome conhecido no circuito de festivais brasileiros, André já esteve na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes em duas oportunidades, além de já ter sido citado na revista francesa Cahiers du Cinéma. É sócio da produtora Filmes de Plástico, uma das mais férteis produtoras do audiovisual brasileiro da atualidade.
Nesta sessão, sobretudo, em seu último trabalho, Rua Ataléia, descobrimos o porquê. André filma o seu mundo comum, desafiando a escuridão e propondo, por meio de sua câmera, um filme à luz de fósforos, descortinando um costumeiro social das regiões periféricas de um Brasil desigual, transformando a precariedade em poesia. Dito isto, é preciso atenção: nada é somente belo. O tanto que há de poético, há de político.
O desafio da impossibilidade da escuridão por si só poderia desencadear discussões em torno dos contrastes sociais, desvelando políticas que maximizam a precariedade e minimizam o acesso de alguns. Podemos falar isso da energia intermitente, mas também dos equipamentos. As câmeras que filmam Contagem não são as mesmas que filmam Lourdes, bairro da zona sul da capital mineira.
Filmando seus próprios pais, André promove um resgate de um pertencimento, de uma família que resiste e se empodera por meio das suas memórias. Seu irmão, Renato, tenta fazer uma leitura improvável no escuro. Ouvimos e quase não vemos sua mãe, Maria José, lembrando suas religiosidades e pensando em seus ancestrais enquanto faz “qualquer coisa”, como solicita o filho-diretor. Voltamos a vê-la, agora ao lado do marido Norberto à luz de velas, despindo alguns passados por meio do resgate fotográfico no folhear dos álbuns. São seus lugares de idas e vindas, como a própria feitura fílmica, na qual as cenas são capturadas em 2011, mas só montadas em 2021. O que é rever o que se fez dez anos depois? São as rememorações de uma família que habita as rotinas e que, com pouca luz, a fósforo, resiste no que há de belo nas banalidades do sempre: o ato de viver.