AS MARGENSÁgua, de Santiago Zermeño (México)

por Gabriela Lima Santos

Em agosto de 2020, foi aprovada na Cidade do México uma reforma no seu Código Penal que criminaliza a “cura gay” na capital. Naquele mesmo mês, a história de Camilo, morador do bairro de Xochimilco, nos é apresentada em Água, de Santiago Zermeño.

Xochimilco é uma demarcação territorial mais afastada do centro do distrito federal, que desde o século 20 vem sendo integrada à região metropolitana devido a expansão urbana. A região agrária tornou-se um dos principais provedores de alimento e água para a Cidade do México, e seus canais comportam hoje os passeios de embarcações que atraem turistas locais e estrangeiros em busca de um contato com a natureza que sobrevive às margens de uma das maiores capitais do mundo.

É neste cenário que conhecemos um fragmento da vida de um garoto que tenta sobreviver num ambiente hostil para sua orientação sexual velada. Um retrato bastante conhecido na cinematografia LGBTQIA+, no qual a denúncia da dor para se afirmar enquanto pessoa que tem o direito de ser como tal é o recorte mais vivo que temos no imaginário do que é ser uma pessoa que escapa da heteronormatividade.

Para além da representação do gênero e sexualidade em sua dimensão trágica, Água justifica seu enredo ao estruturar a narrativa na relação entre o rural e o urbano, a tradição e o moderno. Enquanto conduz a embarcação com os visitantes pelo canal, Camilo observa naquele microcosmo a naturalização das relações homoafetivas. No curta, a interação entre o centro e Xochimilco é mediada pela atração turística. É a partir dela que Camilo vislumbra novas possibilidades de viver fora das margens que o oprime.

Ser LGBTQIA+ em regiões mais afastadas dos centros urbanos – onde o debate público sobre o tema está mais presente – envolve uma série de violências que tendemos a acreditar que já estavam próximas de serem superadas. Ao nos atentarmos a essa diferença, notamos que o contraste de realidades da vida privada se entrelaça com a dimensão de classe. Xochimilco foi integrada parcialmente ao centro mas, assim como a região metropolitana de São Paulo, preserva sintomas da desigualdade social que impacta no acesso de uma parcela da população aos debates que dialogam com as vivências em seu território.

Água se deixa ver com um gosto amargo, pois escancara que a luta alcança as margens à passos curtos. O senso de urgência provocado pelo medo da morte em locais mais violentos torna a fuga mais vantajosa do que a resistência. A fuga, por outro lado, deixa o espaço abandonado estático, em estado de permanência e alheio à necessidade de mudança. E assim, a segregação segue operando onde já poderia estar superada.

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