AUSÊNCIA SENTIDA – O sonho mais longo de que me lembro, de Carlos Lenin (México)
por Júlia Lelli
O sonho mais longo de que me lembro é um ensaio sobre a ausência. Tudo angustia e traz uma sensação de incompletude. Nada é por inteiro, seguindo começo, meio e fim. Tudo é fugidio e confuso.
Aos poucos entendemos que a personagem principal, Tânia, teve seu pai tirado de sua vida de maneira repentina devido aos conflitos do crime organizado mexicano. Sem se lembrar de sua voz, ou de seu rosto ela tenta lidar com esse luto ao mesmo tempo em que decide deixar sua cidade natal e sua família.
Repleta de paisagens amplas, essa é uma daquelas obras que foram feitas para a sala de cinema. A amplidão do interior mexicano contrasta com a pequenez das personagens. Ao encontrar algo no solo árido, Tânia diz que aquilo parece um dente – o dente como algo que fica e resiste mesmo após a decomposição. A memória como algo frágil, mas que nunca é morta por completo. Ela mesma diz repetidas vezes que nunca irá esquecer. Se esquecermos das atrocidades e das dores, esse último dente desaparece, e se ele desaparece não nos sobra mais nossas raízes.
A ausência, no entanto, não é sentida apenas pela protagonista. Ela tem que lidar com a reação de seus familiares ao saber de sua mudança. Outra partida, outra falta para suportarem. A culpa é apresentada de maneira sutil, mas ela faz morada no coração de Tânia.
Em uma das cenas mais longas e emblemáticas, as lembranças de infância da protagonista adentram sua casa, que fica repleta de cenas passadas. O tom é onírico e perturbador – a trilha densa aumenta gradativamente e provoca angústia. Vemos que as plantas revestiram as paredes da casa antiga, suas lembranças se desenvolvem à sua frente. A natureza toma conta do concreto, a persistência frágil da memória, o passado se apossa continuamente do presente. Todos ali sofrem um luto contínuo, e a ida de Tânia faz ressurgir isso tudo de maneira ainda mais forte.
Deixar sua casa natal é um pouco sobre esquecer. E isso dói. É sobre queimar partes do passado e deixar ressurgir o novo através do fogo. A falta daquele território transforma quase que em outro ser. Um território em trânsito, como um luto que nunca termina por não ter um corpo para velar.
A fronteira entre sonho e realidade, passado e futuro nunca é quebrada no filme. Tudo é tão embaçado quanto o rosto do pai de Tânia. Na última cena, o corte é abrupto e somos lançados para a realidade crua. Após a entrada de Tânia no ônibus, a trilha e a imagem se apagam juntas e repentinamente. Tão abrupto e sem explicação quanto a morte de seu pai. Tão escuro como o esquecimento.