AZUIS

Faca sutil e silenciosa

 

Seria possível resumir toda a fragilidade de uma vida? E de onde vem essa fragilidade? Vem da nossa singularidade? Vem das dúvidas sobre nós mesmos que não conseguimos responder? Vem de onde?

A gente anseia cancelar nossa fragilidade tentando se encaixar em padrões. E qualquer escape de um padrão vira especial, diferente, marginal. Mas, num mundo onde cada ser é singular, onde o devir é lei, como definir uma base concreta para a definição de “normal”?

Normal é conforto. E qualquer coisa evidentemente incontrolável já não cabe mais dentro “do normal”. Mas talvez encontre algum espaço no “especial” [?]

Parecia uma obra mansa. Mas não tardou que eu desatasse a chorar. É uma faca que chega tão sutil e silenciosa, e que depois não para de cortar a carne de um preconceito. Literalmente, “um conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério”.

Por um segundo pensei: “lá vem mais um filme sobre esse tema”. Mas esse filme traz tantas questões em tão pouco espaço. Acabou que por um segundo eu paro de respirar.

Se a ignorância é uma dadiva, como pode a epifania ser divina?

Mergulhado na ignorância, sendo condicionado e levado pelo tempo+rotina, vivemos no comodismo. A consequência é que o normal vira uma cama confortável onde nos deitamos. É aqui que mora a fragilidade. Até que uma anomalia te bota de pé. E assim o homem resolve o Mito da Caverna. Mas lá fora não existe um mundo das ideias. Muito pelo contrário, existe um mundo onde tudo é singular. E é um baque, um choque, um tiro na cara quando percebemos isso.

Como vivem as pessoas que “saíram da Caverna”? Normalmente. E é isso que é colocado em quadro. Numa fotografia extremamente amadora, que faz a estética dizer que nada é perfeito.

“Azuis”, exibido no programa Oficinas Brasil, é um documentário cru, a linguagem não foi refinada. Escancara que é um filme “de baixo orçamento”. Escancara a violência sofrida diariamente. É um filme que retrata a vida de autistas, mas se empatia não fosse apenas utopia, perceberíamos que esse filme se encaixa em qualquer um.

Após esse filme, fica proibido dizer que autistas “só vivem no mundo deles”.

OFF: Eu estava com meu irmão no metrô. Ele se senta no banco azul clarinho. Chega um senhora. Ela olha pra ele com olhos de reprovação. Ele inspira fundo, bem fundo. Então se levanta e deixa o espaço livre para ela sentar. Meu irmão é autista.

 

(Cauê Vinicius)

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