CASCA DE BAOBÁ

Lugares que não esperam que ocupemos

Baobá é uma árvore de regiões semiáridas conhecida pela grande capacidade de armazenamento de água, e que durante a estação de seca deixa suas folhas caírem.

O filme de Mariana Luiza, exibido na Mostra Brasil 1, traz um diálogo de afeto entre duas intimidades, realidades extremas de uma mãe e uma filha. Heloísa é cotista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, saiu do Quilombo da Machadinha, no norte fluminense, para ir à capital estudar e tentar outra vida.

Ela quebrou o ciclo que vinha sendo mantido por sua mãe, que ainda trabalha no canavial, e avó (que foi trazida como escrava). Mesmo sendo duas vidas bem diferentes, por meio de Heloísa vemos como suas raízes ainda mostram as relações coloniais e de racismo.

Como essas questões permanecem fortemente, mas como ela própria diz: está “ocupando lugares que não esperam delas”, mas ou já eram delas? O canavial da filha é subir e descer 638 degraus, ser a funcionária que não desiste na loja onde trabalha, uma das poucas negras na universidade.

A supremacia étnica no ambiente acadêmico é de brancos. Mais de 50% da população brasileira é negra, e onde estão esses negros? Ela é uma das poucas da sala e, como as raízes das árvores, ela se empodera e permanece por cima dos asfaltos sociais.

“Ninguém esquece de onde vem, só finge para continuar vivendo.” A intimidade das duas contagia, por meio de uma música aconchegante; o filme de ficção que parece um documentário é construído pela voz off que lê as cartas entre filha e mãe. O sentimento das duas é igual à cena em que Marília (mãe) vai colocar café e o derruba fora do copo. O sentimento de mães por seus filhos que moram longe, e que extravasa lembranças, reconstrói e fortalece laços.

“Casca de Baobá” transborda simplicidade, saudade e afeto, construído de forma a enfatizar a força dramática da relação entre mãe e filha. A aposta da diretora é falar dessa relação e, em alguns pontos, discutir a questão do racismo e da luta de uma mulher pobre e negra.

No fim, as duas filhas são como o Baobá: armazenam as lágrimas e transbordam sentimento nas estações em que estão juntas.

(Guilherme Franco)

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