Breves anotações do do curta brasileiro contemporâneo

algum lugar no recreio

Ricardo Corsetti –

Ao assistir o máximo possível de curtas apresentados na Mostra Brasil, percebi uma tendência dominante nessa categoria: a do experimentalismo vazio tentando se passar por “cinema de autor”. Destaco nessa categoria, curtas como Salomão (2013), dirigido por Alexandre Wahrhaftig e Miguel Antunes Ramos, e Até o Céu Leva Mais ou Menos 15 Minutos (2013), dirigido por Camila Battistetti.

No primeiro caso, o que vemos não é nada além de uma montagem feita a partir de imagens de operários de construção trabalhando, intercaladas por reproduções gráficas do mitológico Templo de Salomão ao qual a bíblia cristã faz referências. Ora, acho relevante abordar por meio de um curta documental a polêmica construção do faraônico Templo de Salomão empreendida pela Igreja Universal do Reino de Deus, uma instituição marcada pela exploração da boa fé de seus fiéis e sempre associada a formas “nebulosas” de enriquecimento. No entanto, ao invés de uma pesquisa séria ilustrada por meio de entrevistas e fatos esclarecedores acerca do tema, o que vemos em Salomão, não é nada além de uma simples e breve montagem de imagens que, teoricamente, deveriam permitir a livre associação por parte dos espectadores em relação à construção do templo real, mas que, na minha modesta opinião, não ultrapassa a barreira que separa o experimentalismo consciente e verdadeiramente transgressor das normas impostas pela narrativa clássica, do mero exibicionismo estético disfarçado de autoralidade.

Já em Até o céu leva mais ou menos 15 minutos, vejo apenas um bom trabalho de montagem/edição que visa encurtar e, ao mesmo tempo, tornar interessante o fato registrado, por meio de uma câmera estática: crianças berrando e chorando durante um passeio de carro. Confesso não entender mesmo o motivo deste curta ter feito, aparentemente, tanto sucesso entre o público participante do festival. Talvez isso se deva a evidente exploração da “fofura” do objeto filmado; o que, na minha modesta opinião, é mesmo muito pouco para justificar o êxito deste trabalho em termos autorais.

Por outro lado, destaco entre os curtas brasileiros que vi (embora tenham sido exibidos na mostra Panorama Paulista), Algum Lugar no Recreio (2014) [foto], dirigido por Caroline Fioratti e O que Fica (2014), dirigido por Daniella Saba. No primeiro filme, a trama e a estrutura narrativa são, sim, convencionais. Porém, vemos um roteiro bem escrito, com diversas tramas paralelas bem amarradas e também um ótimo trabalho de direção, a começar pelo belíssimo plano-sequência utilizado logo no início do curta, visando permitir a condução da ação aos próprios personagens em cena. O universo aqui retratado (problemas da adolescência) pode até não apresentar novidades, mas é belamente apresentado em termos técnicos.

Já em O que Fica, sei que muitos questionarão o fato de o roteiro ter sido escrito em francês, o que gera a obtenção de um humor tipicamente europeu. No entanto, foi justamente a sutileza do humor obtido pela roteirista e diretora do filme o que me cativou ao assistí-lo. Aqui também a estrutura narrativa é convencional o que, porém, em nada prejudica o filme, devido ao ótimo trabalho de direção, caracterizado por perfeito domínio do ritmo e consequente desenvolvimento da trama.

Por fim, faço questão de dizer que na condição estudante de cinema e aspirante a diretor, sou absolutamente a favor do experimentalismo e do autoralismo no cinema. Sobretudo no universo dos curtas-metragens que sempre renderam campo fértil à realização de tais práticas. Apenas faço ressalvas quanto ao experimentalismo vazio em termos de conteúdo que, muitas vezes, ao ser tão frequentamente praticado, acaba criando a ilusão de que um filme (ou curta, no caso) não pode ser convencional e muito bom ao mesmo tempo.

Quito: os conflitos e dúvidas da adolescência

quito

por Beatriz Modenese –

Caracterizada por ser um período de transição, a adolescência é uma fase da vida composta por conflitos e dúvidas. Quito, de Rui Calvo, é um retrato extremamente fiel e simples das agonias e delícias de ser um adolescente.

O garoto, que dá nome ao curta, pela primeira vez depara-se com uma certa liberdade, e com essa, a responsabilidade em suas escolhas. A dificuldade de escolher um curso de graduação, as dúvidas em relação ao que se quer ser no futuro – quando não se há a mínima ideia. Quito, que vai de bicicleta à escola, busca agora dinheiro para conseguir tirar sua habilitação. Sente-se inferior ao amigo que dirige, que nem carta possui. Como ele mesmo diz em certa cena, sente “inveja”. A competição está sempre implícita nas relações não apenas jovens, mas acredito eu que em qualquer fase da vida.

A narrativa também encontra caminho para outro tema: os desentendimentos entre pais e filhos. As ideias não se encontram, e quando mãe e filho se desentendem em relação à habilitação (enquanto ele quer tirá-la, a mãe contrapõe: “a gente nem tem carro”), tudo toma proporções maiores (“não preciso mais pagar seu vestibular então”, “seja homem e venha aqui olhar na minha cara”). Quito é um personagem padrão: 18 anos, preocupado com sua imagem, apresenta conflitos de personalidade, sexualidade, superioridade, familiares. Acredito que a identificação do espectador nas personagens é parte importante, já que em mínimos detalhes, este objetivo é atingido. Por exemplo, numa cena na qual um funk conhecido toca, ou as “brincadeiras” feitas na escola.

A narrativa é leve e o tema comum. A temática adolescência é explorada de forma pouco aprofundada. O espectador busca durante todo o enredo um clímax, um turning point. Mas quando vê, acaba. Final esse que não carrega qualquer resolução aos conflitos do garoto, e a conclusão que levamos é a mesma que temos, ao viver: problemas sempre haverão (“E ai?” “E ai o quê?” “É isso, ué”).

Quito é a prazerosa tradução de uma tendência contemporânea do cinema brasileiro, que volta-se cada vez mais ao público jovem; público este que está sempre em busca, principalmente através da arte, de desmistificar suas agonias e dúvidas em relação à vida.

Quito está na mostra Panorama Paulista 2. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

Master Blaster: descoberta de humor na Nebulosa 2907N

master blaster

por Amanda Martinez –

Um dos filmes com título mais comprido do festival e, ao mesmo tempo, não muito esclarecedor de início, com certeza está entre os que mais conseguiram entreter a plateia. O mistério a respeito do conteúdo de Master Blaster – Uma Aventura de Hans Lucas na Nebulosa 2907N, dirigido por Raul Arthuso, serve sem dúvida como elemento importante para impactar o público positivamente, quando se revela em meio a letreiros russos uma inesperada e divertidíssima comédia.

Em um misto de Eisenstein com ficção científica, a chamada Cidade-trabalho com dois sóis é apresentada sob o olhar sério e nórdico de Hans Lucas. O agente intergaláctico investiga o aparecimento de um novo sol vermelho que brilha constantemente, mudando o ritmo da metrópole, que passa a trabalhar sem descanso. Um ar de futuro distante engloba o discurso da narração, intrigada em compreender os seres do estranho lugar, enquanto a controversa estética de um preto e branco ruidoso lembra filmes da antiga União Soviética.

Sem fazer piadas diretas, os risos são rapidamente arrancados de quem assiste através de quebras entre a visão subjetiva do personagem e monólogos dos moradores da cidade, quase em uma espécie de reportagem realizada pelo agente. Isso se deve ao fato de a misteriosa e caótica cidade em muito se assemelhar a uma São Paulo contemporânea, local onde coincidentemente se dá a exibição do curta: há o ambulante que vende água, o vendedor de óculos escuros, os operários, todos dando seus depoimentos em bom português coloquial. A excessiva seriedade com que tal realidade tão familiar é encarada, repleta de suspense, se torna o trunfo humorístico em Master Blaster, criticando o ritmo frenético das metrópoles através de uma grande sátira.

A forma de humor empregada no curta é muito interessante e se destaca de comédias mais convencionais, onde a graça é o personagem atrapalhado. Hans Lucas, ao contrário, é um homem inteligente e dedicado, e é exatamente isso que o torna cômico. O filme conduz os espectadores através de piadas que não se focam em menosprezar ou expor, mostrando que a ironia na comédia pode ser tão eficaz quanto o famoso “rir da desgraça alheia”. Além disso, o timing dos acontecimentos é excelente, não tornando o filme arrastado e fazendo com que nem só uma risada seja falha.

Ao final da exibição, o primeiro filme na sessão Panorama Paulista 3 tem seu resultado claramente reconhecido pelo público. O final heroico de Hans Lucas é recebido com uma grande salva de palmas pelos verdadeiros habitantes da Nebulosa 2907N, espectadores de um filme leve, de bom entretenimento e criativo.

Master Blaster está na mostra Panorama Paulista 3. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

De Castigo: sobre se relacionar

de castigo

por Valéria Tedesco –

A sessão estava lotada para a exibição dos filmes do Panorama Paulista 1. Entre curiosos, admiradores, familiares e amigos, a jovem diretora Helena Ungaretti fez mais uma apresentação de seu curta-metragem De Castigo. Interessante observar como os espectadores fizeram parte da composição do clima apresentado pelo filme.

Lilian Blanc vive o papel de Guta, uma tia avó que vive sob o olhar vigilante da família, mas para sua sorte, essa família é apresentada na narrativa através de seu sobrinho Felipe, um tímido e tranquilo adolescente que vai passar um tempo em sua casa por estar, a princípio, de castigo.

Guta é apresentada em um cotidiano que escapa as convenções de uma senhora na terceira idade que mora sozinha. Ela bebe, fuma e vai muito bem, obrigada. Felipe, por outro lado, é um garoto quieto que claramente gostaria de estar em qualquer outro lugar. De maneiras distintas, cada um vive em seu universo particular.

A relação dos dois personagens começa de fato a se consolidar quando tia Guta, ao tomar banho, leva um tombo e chama Felipe para ajudá-la a levantar. A situação constrangedora se transforma em um importante marco para os dois que, a partir desse momento de intimidade e respeito, passam a mais do que simplesmente se dar bem, mas a tentar entender as motivações e limitações da vida do outro.

A estética bem construída é um grande elemento para que a narrativa mantenha seu ritmo e continuidade. O universo de Guta e Felipe prende a atenção com a bela composição da fotografia, juntamente com a direção de arte e cria ambientes que destacam as personalidades bem definidas para o espaço daquela historia e daquelas pessoas. Os objetos cuidadosamente posicionados e os móveis clássicos que compõem a casa de Guta criam uma duplicidade que também refletem na personagem.

De uma maneira leve, a história é um debate sobre personagens, e sobre personalidades. Tia e sobrinho são dois desajustados que levam a vida em seu próprio ritmo, e no final das contas encontram um no outro a maneira de manter sua identidades e encontrar novos caminhos.

De Castigo está na mostra Panorama Paulista 1 e na Infanto-juvenil 1. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

A Era de Ouro: o palco e a verdade

a era de ouro

por Bianca Elias –

A vida em torno de festas robotizadas pelas roupas pretas e o eletrônico tem grau de normalidade que vai dos paulistanos aos cearenses. Não cabe falar de uma pureza de raiz do paulistano que cresceu no coração do progresso econômico, pois quando não motorizada, a identidade mais miscigenada é a sua. Falamos aqui, ou falam Miguel Antunes Ramos e Leonardo Mouramateus, dos efeitos da cidade que perde suas convicções naturais e se transforma em impérios modulares de coqueiros e arranha céus de vidro; homens que se auto enclausuram com a identidade mantida no sotaque e mais nada.

A Era de Ouro aparenta um resultado final (ao menos até agora) de ensaios sobre a vida dentro dos muros invisíveis e sobre quatro rodas. Os realizadores em codireção sintetizam o que é brincar de atuar para a conquista do sucesso profissional e, hoje não desvinculado, pessoal. São tomadas diretrizes de duração de planos, escolhas de cores e palavras corporativas para a imersão no espectro burguês que não se discernem da presença preponderante desses elementos ermos na vida real: um incômodo invasivo toma conta do espectador que, mesmo não indo na contramão da ideologia mercadológica que se retrata, identifica um constrangimento ainda que não saiba qual é. O contato entre Simone e David, que se viram pela última vez no Ceará, acontece pela vitrine do viver em São Paulo e, por conta das tentativas vindas dele, de se resgatar o elo antes vivo e poético entre os dois. Um passado teatral que os conecta respinga apenas na teatralidade de Simone na vida real.

E e Salomão, ambos no festival deste ano e codirigidos por Miguel, em mesmo nível, mas em teor documental, resgatam pelo sarcasmo de suas imagens e silêncio a representação dos estacionamentos e do templo da Igreja Universal do Reino de Deus da mesma maneira em que se perpetua um papel para os personagens da ficção: ao alcance da aprovação em sociedade cria-se um discurso convincente sobre si mesmo e para si mesmo. O Completo Estranho (também em mostra) de Leonardo Mouramateus se situa dentro do mesmo universo em Fortaleza e cria o cenário para falar da sobrevivência conquistada através das máscaras, onde perucas e danças ensaiadas fazem parte de uma encenação pensada para ser verdadeira.

Relações esfriadas pela vida e outras esquentadas pela ideia de ser arte consagram-se e, sem força, acordam no dia seguinte sem esperança para ser. Numa descaracterização dos personagens, que vem sem informações adicionais que não seus nomes e vícios de entonação, poderíamos pensar no filme sendo realizado diegeticamente em qualquer lugar do Brasil, quiça do mundo.

Os dois diretores traçam caminhos que passam pelo entendimento da fraqueza relacional e/ou o fortalecimento inevitável das barreiras de concreto, para que juntos pudessem sintetizar um propósito, um fim em si: o alcance de consciência na retomada da atuação teatral. A Era de Ouro termina com Simone cedendo aos textos por ela conscientemente esquecidos e os declamando em voz alta, aos prantos, exterminando sua outra aparência e dando espaço ao riso por ferir David com seu cartão de visita de vidro – o papel dela o fere, e lhe invade o riso leviano do reconhecimento. Se atuar é estar em palco, então é o palco a única possibilidade da verdade.

A Era de Ouro está na Mostra Brasil 9. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

O Táxi de Escher: o tempo do espaço

o taxi de escher

por Valéria Tedesco –

A presença do infinito nas obras de M. C. Escher pode ser considerado um de seus pontos mais marcantes. A ideia de uma representação que sempre retorna para o início de uma maneira diferente da original, formando assim uma sequência infinita de caminhos e possibilidades, são constantemente apresentadas pelo artista em suas obras.

Logo no início do curta-metragem O Táxi de Escher, exibido na sessão Panorama Paulista 1, a referência ao universo idealizado por Escher fica clara desde o primeiro momento. A cena de abertura, com a entrada e saída de pessoas do mercadão, aparecendo e desaparecendo ao cruzar uma linha imaginária no centro do quadro, é a primeira relação de desconstrução entre espaço e tempo que podemos levantar na narrativa.

O filme está em constante desconstrução. O retorno as cenas iniciais com perspectivas e acompanhamentos diferentes. As mudanças de enquadramento atuam quase como um novo personagem, o único que parece estar presente em todos os momentos, é através da mudança de quadro, seja ele fixo ou com a movimentação da câmera, o filme percorre todos os caminhos dos personagens que, no final, tornam-se apenas um.

A narrativa retorna o tempo todo para diversos elementos apresentados em cenas anteriores, como quem diz, olhe mais uma vez, preste mais atenção. As voltas que o filme percorre, mais do que representar a busca do personagem por respostas internas e externas a ele, instiga o espectador a observar melhor as situações e objetos ao redor, e perceber que eles podem ter mais do que um, dois, três significados. Em diversos momentos, as mesmas falas são utilizadas com abordagens diferentes, reforçando a ideia de pluralidade de interpretações, mesmo para uma ação idêntica.

De todas as maneiras de interpretar o filme de Flavio Botelho e Aleksei Abib, fico apenas com a sensação de que não se faz possível, tampouco necessário, criar uma definição limitada sobre a narrativa, mas sim uma reflexão em constante movimento sobre os (des)encontros e suas consequências.

O Táxi de Escher está na mostra Panorama Paulista 1. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

O muro do arrebatamento

salomao

por Ivan Ribeiro –

Vivemos em uma época em que grupos religiosos, sejam eles ligados a qualquer crença, têm sido arquitetos de ações diversas e mudanças relevantes para a sociedade, ao redor do mundo, de um modo geral. Entenda “relevantes para a sociedade” por diversos aspectos. Proporcionando ajuda humanitária a populações necessitadas e devastadas pela miséria ou proporcionando guerras intermináveis. Propagando o amor ao próximo, a compreensão e, no mínimo, a tolerância ou disseminando preconceitos e ódio. Discutindo, junto à sociedade civil, temas de interesse público como o aborto, por exemplo, ou procurando impor seus preceitos e regras através de alianças e “cartadas” políticas.

No Brasil, onde a constituição declara que o Estado é laico (neutro ou imparcial no campo religioso, não apoiando ou discriminando nenhuma religião e não permitindo que nenhuma delas interfira em decisões sociopolíticas), temos visto, incoerentemente, o crescimento da influência cristã, sobretudo dos evangélicos, sobre as práticas políticas e ações do governo. Isso fica evidente em determinadas situações como, por exemplo, na inauguração do Templo de Salomão da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), no bairro do Brás, na cidade de São Paulo, ocorrida oficialmente em 31 de julho de 2014, cerimônia à qual estiveram presentes diversos políticos brasileiros de alta cúpula, incluindo o prefeito da cidade, o governador do estado e a presidenta da nação. Presenças de importância estratégica no evento em ano de eleições.

Os líderes evangélicos e suas bancadas políticas no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, têm cada vez mais demonstrado seu poder e influência em assuntos vitais de interesse comum da sociedade deste país. A construção do já citado Templo de Salomão, além de ser obra de intesse dos fieis da IURD por se tratar de mais um local de orações e prática religiosa diária, foi também vista pela mídia e diversos segmentos da sociedade como uma demonstração física e visual deste poder.

E é sobre o surgimento desse “colosso arquitetônico” em plena região central da maior cidade do país que trata o preciso, sucinto e, ao mesmo tempo, assustadoramente poético, Salomão, curta-metragem dos diretores Miguel Antunes Ramos e Alexandre Wahrhaftig, também responsáveis pelo roteiro, produção, fotografia e edição do filme.

É por meio de imagens dos tapumes que cercam as obras do imenso templo que os diretores nos apresentam a monumentalidade do que está para surgir. Os tapumes são decorados com plácidas ilustrações do prédio que terá suas instalações erigidas no local. Gigantescas colunas, paredes imponentes de pedra impenetrável, paisagismo e arquitetura de deixar qualquer crente ou ateu sem fôlego e de pêlos eriçados, por onde, nas mesmas imagens, passeiam pessoas felizes, sorrindo, casais de mãos dadas com seus filhos, fieis tão pequenos perplexos diante da grandeza da obra de Deus (e dos homens), ofuscados não pelo sol que os acolhe, mas pelo matiz dourado do templo que acolhe e ofusca ainda mais.

Contrastando com os paineis que protegem a construção e a enchem de mistério e promessas de dádivas sem fim estão os transeuntes que passam pelo bairro, em frente aos tapumes. Pessoas comuns. Gente que vai de lá para cá atrás de seus afazeres diários, de seus empregos, preocupações cotidianas, vidas que seguem enquanto aguardam (ou não) a conclusão das obras atrás do muro. Gente que continua existindo e sobrevivendo independentemente do que é erguido no local.

Da construção do templo só ouvimos os sons de máquinas, tratores, escavadeiras, martelos, serras, ferramentas tão humanas que darão forma a obra tão divina. A brilhante direção de som do filme deixa no imaginário do espectador a relidade por trás daquelas tapadeiras que exibem o que foi idealizado por seus engenheiros e arquitetos. Mesclada ao som dos trabalhadores, começa a crescer, em off, a voz de um pastor que prega maravilhas. O pastor, possivelmente repleto da inspiração do Espírito Santo, se empolga cada vez mais, num ritmo e intensidade crescentes, exaltando-se e exaltando o poder (de sua fé) de Deus:

“Depois da tempestade vem a bonança”. “É preciso existir guerra para que haja vitória”.

Os tapumes já não existem mais. Andaimes imensos, intrínsecas teias enormes de barras de ferro, emaranhados de madeira, pregos e metal santos surgem na tela diante dos olhos extasiados ou indignados do espectador da sala de cinema.

O Templo de Salomão vai surgir, o templo está de pé, Aleluia!

Enquanto isso, as pessoas na rua apenas passam. E param. E seguem.

E Salomão, sem fazer qualquer crítica contrária nem apologia à construção do Templo ou à IURD e seus representantes, deixa para o espectador a responsabilidade da reflexão. O que é necessidade real e o que é dispensável? O que é fundamentalismo e o que é fé? O que é realidade e o que é utopia? O que está à vista o que se faz oculto? O que é caridade e o que é ostentação? O que é divino e o que é humano?

Mas uma certeza fica. Este deus tem uma nova casa na Torre de Babel que é esta cidade sulamericana com nome de santo. Paraíso para uns, inferno para outros tantos.

Hosana nas alturas!!!!!

Salomão está na mostra Panorama Paulista 3. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

Dos vazios da Pauliceia

E

por Thiago Zygband –

São Paulo movimenta-se em tédio. Mitose da compulsão e da rotina, carros, monocromia, prédios, gentrificação e a expansão irracional de certa lógica perversa. Diz-se que a cidade não pára, a cidade só cresce. Serão os deuses testemunhas? Se parece inelutável o destino, ao menos fazemos cinema.

E, dos diretores Alexandre Wahrhaftig, Helena Ungaretti e Miguel Antunes Ramos, é uma interessante perspectiva sobre tais fatos. O documentário vai ao cerne da autorreplicação e do aparente nonsense da metrópole bandeirante ao analisar uma de suas mais gritantes manifestações: os estacionamentos. Crescem em vertigem esses espaços silenciosos, mas que não surgem do nada – os depoimentos colhidos nos lembram que aqueles lugares também têm história e afetos: um era (saudoso) cinema-de-bairro, outro a casa do papai, um terceiro a da vovó, um quarto, um quinto…

O documentário assume ares de ficção científica. São estranhas, as máquinas. Abstratas, têm apelo estético e parecem existir por si próprias – de fato, não há imagem humana nítida no filme. O movimento está restrito aos guindastes, carros, catracas e, nos prédios das classes abastadas, até aos próprios estacionamentos-elevadores. “Privacidade, exclusividade, […] morar bem”, depõe uma moradora. Podemos ver suas mãos que saem de dentro de um enorme carro: o único pedaço de carne do curta.

O proprietário de estacionamento nos confessa: “Investimento pequeno, rentabilidade pequena também […] não é um grande negócio”. Nesse caso, sua serventia é apenas a ocupação do espaço; logo erguerá um prédio, grande negócio, por suposto. Assim rumamos aos céus. Eram sete pequenas casas, logo serão a concretização de uma maquete pomposa em regalias contemporâneas – elevador de automóveis, parque privativo, vigilância 24 horas e outras liberdades do espaço privado, sonhos em metros quadrados que o dinheiro pode comprar.

E são através das fotografias de satélites retiradas do Google que recordamos como eram as tais falecidas casas. Note-se: especulação imobiliária nas ruas, informação-mercadoria no mundo virtual. Também são privadas as imagens do espaço público da cidade, e por ela só se flana enquanto potencial consumidor dos anúncios que pululam no canto da tela. Logo se atualizarão as fotografias, e aquilo será somente o eterno-presente da Internet.

Em Pequena História da Fotografia, Walter Benjamin, sobre o trabalho do fotógrafo Atget na Paris do século XIX, indica que aquelas imagens privadas de corpos humanos, nas quais captou construções solitárias e indiferentes típicas da vida moderna, parecem esconder a evidência de um crime. Da mesma forma, a São Paulo esvaziada de E é como casa que não encontrou moradores, uma cidade que parece prescindir o mundo dos humanos. Onírica, surreal, espetáculo da ausência e do vazio, infinitamente cinza e melancólica. E tão estranhamente suspeita…

E está no Panorama Paulista 4. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

Amor próprio

guida

por Andréia Figueiredo

O Panorama Paulista 2 com toda a certeza foi uma experiência inesquecível. Saí da sessão ansiando por mais. Por mais do mesmo e mais de obras incríveis e cativantes que te encantam daquele modo sutil. O meu favorito foi o Guida, que pelas palavras da diretora Rosana Urbes, se trata de “uma homenagem a tudo que é velho”. E assim com essa citação, é que passamos a entender mais sobre a história.

O curta-metragem é todo feito pela técnica tradicional de animação em 2D e cria ambientes com formas harmoniosas, belas e verdadeiras, que insere automaticamente o espectador nesse novo universo. A história gira em torno da personagem Guida, uma mulher mais velha e com algumas rugas, que tem uma vida cômoda e sem grandes emoções, vivendo em uma eterna rotina como arquivista há 30 anos. Porém, isso muda ao encontrar um anúncio de jornal que diz que se procura modelos vivos para posar, fazendo-a se interessar.

A poesia do roteiro está inteiramente na procura do que nos motiva, inspira e faz com que nos sintamos vivos. No começo do filme, fica claro que a personagem não se sente bem com o que vê no espelho, simplesmente não aceita que os anos passaram e que sua juventude se foi, o que nos é mostrado quando se recorda de sua aparência quando jovem. Ao ter a iniciativa de posar como modelo vivo, tendo que estar completamente nua, Guida acaba por se libertar de seus medos. Isso nos faz refletir sobre o papel da arte como meio de expressão artística do indivíduo e sua importância para o mundo.

Trata-se definitivamente de uma história de amor. Além disso, da certeza que não importa a idade, o que aconteceu e o que ainda tem a acontecer, a vida está constantemente se renovando. Frequentemente não percebemos as oportunidades que nos rodeiam com o único objetivo de adquirir qualquer forma de crescimento. Guida retrata a beleza da velhice e a mais antiga e complicada história de amor: o amor que envolve amar a si mesmo.

Guida está na mostra Panorama Paulista 2. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

Vem aí o Crítica Curta 2014

foto  25 festival de curtas-ed
Estamos a uma semana do começo do 25º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo. E como acontece em todos os anos desde 2005, a oficina Crítica Curta convida alunos de audiovisual a produzir reflexão em texto sobre os filmes exibidos no festival. A orientação e coordenação do projeto neste ano fica novamente a cargo do crítico de cinema e pesquisador Heitor Augusto.

Assim como no ano passado, este blog volta a ser o espaço de publicação dos artigos, apostando que a publicação no ambiente virtual permite mas possibilidades de circulação dos textos e diálogos com os leitores – realizadores e público em geral. Os participantes da oficina terão a responsabilidade de assistir diversas sessões que compõem o cardápio do festival. Suas reflexões estarão concentradas nos curtas das mostras Brasil, Panorama Paulista, Cinema em Curso e Latino-americana.

O blog Crítica Curta terá posts diários, escritos pelos “calouros” (que participam da oficina pela primeira vez) e “veteranos” (que já compuseram o projeto no ano passado e são convidados a retornarem). Você pode acompanhar as atualizações pelas redes sociais, seguindo o Twitter da Kinoforum [clique aqui] e curtindo a página do Facebook [clique aqui]. No topo de cada post no blog você encontrará um botão para compartilhar os textos.

A navegação é simples: na parte superior da home page estão os posts mais recentes. Do lado direito da metade inferior da home você poderá procurar por textos usando tags (nome do filme, nome do diretor, nome do autor, tema do curta etc). À direita de cada página há a nuvem de tags, que aponta os tópicos mais comentados nos textos.

Abaixo está a lista dos calouros que participam da oficina neste ano:

Amanda Martinez (FAAP)
Andreia Saracchi Figueiredo (Cásper Líbero)
Arthur Ivo (Unicamp)
Beatriz Couto (FAAP)
Beatriz Modenese (Cásper Líbero)
Bianca Elias Mafra (Senac)
Camila Fávaro (FAAP)
João Gabriel Vilar Cruz (Senac)
Lucas Navarro (FAAP)
Mylena Santos Dantas (Cásper Líbero)
Pither de Almeida Lopes (Anhembi)
Plínio Chaparin (ECA-USP)
Samuel Baptista Mariani (Unicamp)
Thiago Zygband (Unicamp)
Valeria Tedesco (Senac)

Sejam bem-vindos!