FENÔMENOS NATURAIS

Méritos por apostar na sutileza

O ano é 1988, quando Cuba começava, a passos pequenos, a se abrir diplomaticamente para certos países depois de anos de isolamento mundial devido à guerra fria. Num anúncio de rádio, logo nos minutos iniciais de “Fenômenos Naturais”, exibido na Mostra Latino-Americana 5, o locutor fala da importância de maior expressão internacional de que o país precisa, ao mesmo tempo em que anuncia a vinda de um furacão.

Não seria exagero associar esses eventos como uma metáfora da situação em que se encontra a jovem Wilma (Neisy Alpizar), que, enfermeira amadora, se encontra numa competição de tiro ao prato para escolher o representante cubano no próximo torneio mundial. Ou até mesmo associá-los aos tais fenômenos naturais do título.

Escrito pelo próprio diretor Marcos Diaz Sosa, o roteiro acerta em trabalhar na composição de situações que se associam com as mesmas pelas quais passa a jovem. Se Wilma se encontra num país que muito sofreu pressões externas dos EUA, eis que ela se vê num ambiente tomado por pressões internas para conseguir um feito em prol do país.

Muito além, o roteiro tem méritos por apostar na sutileza, como encenar um torneio de tiros em que a protagonista se encontra como única mulher a competir no meio de homens, ou nos breves comentários machistas que um colega de seu treinador (Eduardo Martínez) faz, ou como este, por mais caloroso que tente se mostrar, sempre expõe um detalhe opressor sobre o motivo de ela estar competindo.

O diretor, aliás, é seguro em complementar a sutileza ao utilizar, junto com seu diretor de fotografia Javier Labrador, lentes grande angulares em paisagens abertas como forma de trazer a natureza diminuta de Wilma ou como essas lentes causam estranhamento na imagem através de suas distorções pelo ambiente.

A atriz Neisy Alpizar, por sua vez, é talentosa em transmitir, mesmo com poucas palavras, todo o peso que sente pela urgência de conquistar um feito como forma de comprovar relevar sua importância para alguém (algo que, ao contrário de seu treinador ou de seu país, ela não quer).

Não apenas isso, a atriz ainda utiliza de pequenos gestos que exaltam seu desconforto (note como ela se contrai ao se sentar, o que fará sentido depois, num incidente que não revelarei).

Trágico em sua alegoria sobre a pressão da mulher numa sociedade machista, que mais se preocupa com o narcisismo do que como elas vivem (algo que ocorre em inúmeros outros lugares, vale apontar), “Fenômenos Naturais” é um belo trabalho sobre paralelos de um país que busca se reconstruir com uma mulher que, ironicamente, tenta o mesmo, mas acaba impelida por essa pressão.

(Marcelo Carvalho)

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