Memória, chumbo e cinzas

O momento da história do país mais revisitado pelo cinema nacional é, sem dúvidas, o período que compreende a ditadura militar iniciada em 1964. Filmes documentais, ficcionais ou experimentais reconstituem, cada um à sua maneira, a violência do poder institucionalizado, a supressão de direitos civis e políticos e a luta de todos os que se colocaram na linha de frente, armados ou não, pela defesa da democracia e liberdade de expressão.

A vasta produção sobre o tema, no entanto, não impede que o cinema contemporâneo brasileiro continue a se debruçar sobre os chamados “anos de chumbo” com criatividade, originalidade e crítica. Um dos melhores exemplos é Ser Tão Cinzento, premiado no É Tudo Verdade e no Festival de Brasília. O diretor Henrique Dantas apropriou-se de diferentes linguagens para contar a história da perseguição política sofrida pelo cineasta Olney São Paulo.

A partir da projeção de Manhã Cinzenta (1969), uma das mais marcantes obras de Olney, nas paredes de uma construção em ruínas com elementos do cenário que remetem às torturas, quem não sabia a situação em que o realizador baiano Olney foi preso passa a conhecê-la.

E quem já sabia acompanha uma riquíssima série de depoimentos. Profissionais da equipe do filme e outros cineastas contam sobre as filmagens, falam das circustâncias em que Olney foi perseguido, preso e torturado, vindo a falecer em 1978. Orlando Senna, José Carlos Avellar e Luis Paulino dos Santos são apenas alguns dos entrevistados.

Da instalação que reproduz a obra de Olney, o espectador guarda algumas das mais belas imagens da única cópia que restou do filme, na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Dantas traça um panorama político e da própria história do cinema brasileiro.

Se Manhã Cinzenta já fazia a crítica ao contexto da época — ao falar de um país imaginário da América Latina em que os estudantes manifestam-se, são presos e interrogados por um robô –, o curta de Henrique Dantas alia o experimental ao documental para refletir, e não apenas sobre os abusos da ditadura; para relembrar e trazer à tona para o público a importância de pessoas muitas vezes esquecidas na nossa memória como Olney São Paulo, a quem Glauber Rocha chamava de “mártir do cinema brasileiro”.

Camila Fink

Ser Tão Cinzento está na Mostra Brasil 3. Clique aqui e veja a programação do filme

7 thoughts

  1. Que bom que gostaram, acredito que ainda esse ano o longa ” Sinais de Cinza, A Peleja de Olney contra o Dragão da Maldade” venha para contar um pouco mais da história desse cineasta cabloco que muito me inspira. Pra galera de Ilhéus, certamente o filme estará no Feciba e quem não viu o filme, ele está disponível até o fim dessa semana no site do Canal Brasil, obrigado Camila…..

  2. Obrigado pelo comentário Camila! Gosto bastante de Manhã Cinzenta, vou tentar assistir Ser Tão Cinzento nos próximos dias. Realmente, pensar nas relações que alguns filmes estabelecem é inevitável. Deve ser muito legal pensar nas possíveis combinações de uma sessão.

    1. Carlinhos querido, que feliz tê-lo por aqui!
      Gostei bastante do curta! Bom saber que também gosta. Se fosse programadora já teria uma sessão deliciosa para exibi-lo junto com outras obras… Chega um momento em que é difícil pensar nas obras individualmente. Obrigadíssima pelo comentário e mais ainda pela dica. Com certeza vai para a minha biblioteca cinéfila! beijo beijo

  3. Gostei muito da crítica. Conheci Olney São Paulo em uma das Jornadas de Cinema de Salvador dirigida por Guido Araujo, onde compareci com o meu marido, o crítico de cinema Ronald F. Monteiro, já falecido. Depois disso ficamos amigos da família do Olney e frequentamos a casa dele no Rio de Janeiro em algumas noites deliciosas e alegres com toda a família reunida ouvindo o piano de Maria Augusta, sua esposa. Espero que o filme seja exibido aqui em Ilhéus, BA onde moro atualmente.

    1. Oi, Marialva

      As projeções das cenas do filme de Olney ficaram lindas e são acompanhadas por depoimentos que, na minha singela opinião, compõem um quadro realmente rico – apesar de breve – sobre o realizador, a obra e o contexto. Há ainda o destaque muito bem citado pelo Carlos Alberto Mattos no comentário abaixo.

      Espero sinceramente que o curta chegue até Ilhéus e que você e outros que compartilharam de momentos ao lado de Olney gostem do curta tanto quanto eu! Abraços cinéfilos!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *