NÓS, AS ABELHASColmeia, de Maurício Chades

por Gabriela Zanatta

“Colmeia” é o termo dado ao presídio feminino de Brasília. Um meio de vivência tamanha que é capaz de uma mulher sair de lá com tal renascença que sinta a necessidade de dar a si mesma outro nome. É assim a trajetória de Huri, protagonista do documentário de Maurício Chades.

A abelha é um animal que usa seu ferrão apenas em legítimo contra-ataque, para defender a si e aos seus. Ao picar, não apenas machuca sua ameaça, como a si própria – pois o ferrão da abelha, quando adentra a superfície inimiga, fica por lá mesmo, e ficam, anexos a ele, diversos órgãos internos do animal. Depois disso, oca, a abelha desfalece. Ela dá a vida nesse gesto. Assim procedeu Huri, à época Pâmela, defendendo-se de seu agressor. Gesto que lhe rendeu a pena na Colmeia.

O curta se dá tal qual um relato. Huri, numa bem-vinda metalinguagem, constrói sua colmeia junto ao diretor, dialogando com ele e com o público, olhando diretamente para a câmera. Isso confere intimidade à obra, e uma abertura para que seja desenvolvida a abordagem subjetiva que permeará todo o curta. O formato fílmico lembra também uma entrevista, mas é Huri quem guia o curso do documentário, deixando-o à mercê dos pensamentos dela sobre seu próprio passado, sobre a desigualdade, e sobre o que a Colmeia significou para ela.

Colmeia se faz além das normas de seu gênero fílmico. Ele documenta memórias, impressões, previsões. Documenta sonhos. No mais, a obra se destaca por retratar subjetividades. Não por isso, deveria ser considerada menos documental que outros tipos mais objetivos de seu gênero. Tudo nele traz absoluta realidade – justamente pelo filme dar voz aos pensamentos de Huri, uma mulher que vivenciou a realidade de um jeito que escapa ao raso e mero exercício imaginativo de muitos – especialmente dos donos das grandes casas à beira de lagos.

Quando no fim do filme as casas explodem, tal qual no sonho de Huri, o que Colmeia faz é a documentação de um desejo, de uma esperança. É em seus instantes finais que o filme concretiza as previsões de Huri para a humanidade, munida de seu baralho de tarô, conquistando com sua vivência esse posto de arauto. Colmeia concretiza a iminente nova era que só pode ocorrer com uma drástica mudança social, na qual prevaleça a justiça a favor de mulheres esquecidas, abandonadas, à margem da sociedade. Mulheres feitas abelhas como Huri.

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