O MONOPÓLIO DA ESTUPIDEZ

Passaporte para a vergonha

Na Mostra Latino-Americana 4, temos um curta assustadoramente real em que a estupidez é algo realmente peculiar. Pode ser um processo e também um sentimento. “O Monopólio da Estupidez” gera o famoso sentimento de vergonha alheia quando essa estupidez chega ao seu ápice.

Explorando um poder de envergonhar e irritar que só a burocracia pode propiciar com maestria, o curta peruano do diretor Hernán Velit consegue misturar, pela natureza do tema, drama com pitadas de comédia. Aquele tipo tosco de situação tragicômica: o cômico sob um paradigma tão sério que desconcerta o público e faz o espectador sentir culpa de sua própria risada.

Com uma paleta de cores em tons pastéis e luz incidente objetiva, a fotografia de cara já constrói um cenário no qual sentimos a impessoalidade robótica, ainda que sejam pessoas a encarnarem fisicamente esse processo-sentimento. A ironia contextual disso tudo só corrobora toda a temperança de um e de outro traço: pessoas não pessoais.

Comédia, quando se percebe o cume da robotização. Drama, quando se nota que toda a seriedade e urgência do caso a ser resolvido está contingenciada por uma situação que emula uma piada prevista.

O som durante a fila de espera denuncia a intenção cômica, assim como o monólogo da funcionária que, de tanto burocratizar, burocratiza seu pensamento a ponto de não lembrar que a cardiopatia que matou o cardiopata é uma causa natural, ou mesmo quando não encontra a causa mortis, cuja descrição óbvia está escrita no documento que ela mesma requisita e espera receber desde sempre.

Ela prefere perguntar para o protagonista algo que ela requisitou, não ouve a resposta, parece não enxergar o outro e não tem uma solução para o impasse pessoal. A impessoalidade do processo agride, incomoda, nos oferece um contínuo bug mental de que algo muito absurdo está acontecendo.

Um curta com um final memorável, com um arco narrativo que termina em um clímax, algo difícil de se fazer com competência. Nisso observamos com surpresa uma síntese mórbida de tudo o que fora anunciado durante todo o roteiro em pequenas doses.

Sem sentido e na expectativa de respostas e soluções que nunca vêm, “O Monopólio da Estupidez” não precisa de descrições: é mesmo um passaporte para a vergonha em todos os sentidos.

(Rogério Henrique Gonçalves)

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