PALAVRA E RESSIGNIFICAÇÃO – O Fim do Sofrimento (A Proposta) (Grécia), de Jacqueline Lentzou
por Guilherme Guedes
Uma garota chora no transporte público enquanto ouve uma música. A imagem desfocada se torna cada vez mais nítida, mostrando a sua ansiedade. Ela desce na estação e sai correndo entre a multidão. A câmera inquieta a acompanha por trás. É assim que começa O Fim do Sofrimento (A Proposta): Sofia está em pânico. Mas o Universo, observando a mulher, decide intervir e dar-lhe uma resposta para suas aflições.
Há um desejo humano de tentar encontrar respostas para a existência, e muitas vezes essa busca é direcionada a um plano elevado. Alguns se voltam à religião, outros à filosofia ou à ciência, e ainda há aqueles que olham para o fantástico. O curta de Jacqueline Lentzou busca essa resposta com a ajuda da figura onisciente do Universo, não com o objetivo de revolucionar a existência, mas de tentar encontrar, num tom contemplativo, uma resposta para as angústias de Sofia.
O curta trata desse diálogo impossível entre a jovem e o Cosmos de uma forma abstrata, não propriamente através da imagem, mas do som. Em nenhum plano visual a personagem de Sofia conversa com o Universo: esse diálogo é reservado para a dimensão sonora, numa espécie de ligação interplanetária. É interessante notar também como o Cosmos, embora personificado, não possui um corpo ou voz própria. As falas do Universo para Sofia não são “ditas”, mas dadas através de legendas que traduzem os sons e ruídos que compõem a sua “voz”. Tal escolha da realizadora contribui para manter certo mistério da figura e da situação.
Imagens do espaço e da Terra são ressignificadas graças ao diálogo entre os dois personagens. O Universo conta sobre a origem de Sofia e de Marte, e o que vemos não são imagens do planeta vermelho, mas sim da própria Terra, que, graças ao novo sentido dado pelas palavras do Cosmos, se fazem entender como registros de outro corpo celeste. A fala é um dos principais elementos do curta, não só dando uma nova acepção ao que vemos, mas também criando imagens de grande lirismo e de difícil tradução audiovisual, como as descrições de Marte, no qual, segundo o Universo, a “água vem em diferentes cores e faz música”.
Aqui, ressignificação é a palavra-chave. Não somente as imagens ganham um novo sentido, como também as ideias passam por esse processo. Num primeiro olhar, pode-se entender a escolha do curta de trazer essa dimensão fantástica como um certo escapismo. No entanto, num olhar mais atento, não se trata de uma mera fuga da realidade para entretenimento. O que a narrativa busca é afastar-se de algo próximo – neste caso, a Terra e os problemas de Sofia – e olhá-los com maior clareza de um ponto mais afastado, buscando dar a personagem (e ao espectador) uma nova forma de encarar a realidade, um novo sentido para ela.
Através da palavra e da ressignificação das imagens e ideias, O Fim do Sofrimento (A Proposta) propõe um olhar contemplativo para o fantástico tentando encontrar nele respostas para angústias internas.