Sobre o estatuto do curta-metragem

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Festivais de cinema são a principal (quando não a única) janela para um determinado tipo de produção contemporânea de vanguarda. O Curta Kinoforum desempenha papel singular nesse meio trazendo um formato de produções cuja vida útil (limitada, justamente, a festivais) depende unicamente do “mérito artístico”: o curta-metragem. Assim, durante todos os dias do festival, desfruto de 70 a 90 minutos de grandes méritos artísticos. Três sessões por dia.

Meu problema com isso tudo é (vocês já devem ter adivinhado) justamente esse ritmo vertiginoso de filmes, o qual não deixa espaço para uma reflexão imediata sobre as obras. Mais que isso, nos obriga a experimentar um filme enquanto ainda estamos impregnados das impressões mal digeridas do filme anterior. Essa “pesquisa estética” de que o curta-metragem tornou-se espaço faz com que as sessões do Curta Kinoforum sejam eventos esquizofrênicos que não privilegiam de forma alguma os bons filmes.

Não pretendo entrar no mérito das janelas de exibição (cinema versus Internet) e muito menos questionar o Curta Kinoforum, que, como já disse, é um espaço fundamental de socialização dessa produção.

Questionável é o parâmetro de “mérito artístico”, que acaba por transformar a realização de curtas-metragens muito menos em um exercício de pesquisa de linguagem e muito mais em um exercício publicitário de “quanto mais diferente, melhor”. Os realizadores descobriram no curta-metragem um espaço de improviso e um meio de construção e divulgação de portfólio profissional. E aí as coisas facilmente descambam para um virtuosismo da técnica e uma simplificação grotesca dos temas. Isso sem falar dos insuportáveis créditos, que muitas vezes ocupam 20 a 30% do tempo dos filmes.

Importante lembrar sempre que o festival abriga coisas ótimas. E, entre elas, materiais (e não apenas de escolas) que não atingiram uma maturidade criativa ou não apresentam relevância estética. Diante de uma oferta crescente de produção, o Curta Kinoforum se alarga e acaba por abrigar muito de uma produção incipiente.

Não que eu tenha a nostalgia de achar que em algum momento da história o grosso da produção foi melhor. Não. Sempre foi trabalho do público e da crítica descobrir o que há de permanecer. Mas me parece que as sessões do Curta Kinoforum reproduzem um modelo de fruição do audiovisual associado a uma postura capitalista (ou seja, ruim) de consumo desenfreado. A experiência das sessões do Kinoforum me dessensibiliza, me coloca em uma postura esquematizante das obras. E, em um círculo vicioso, a produção de curta-metragem vai criando mecanismos semelhantes ao da publicidade de televisão: é preciso ser impactante para ser lembrado. Ao fim do dia, com dor de cabeça e grande pesar, lembro mais daqueles filmes risivelmente ruins ou com traços visuais marcantes do que daqueles belos filmes, singelos e objetivos, como O Pracinha de Odessa, como O Proustiano de Osasco, como Na sua Companhia (sorte minha que estou sempre com o caderninho a tiracolo).

Sinto que estou assistindo filmes demais e pensando de menos e entro em um rol que termina na velha pergunta “Por que produzir mais uma imagem num mundo saturado de imagens?”. Aí eu me vejo numa discussão que não tenho envergadura para manter.

João Pedone