Semelhanças documentais
Dificilmente perceptível em um primeiro momento, existe um diálogo interessante entre os curtas Realmente, do Coletivo Belterra, e Tim, vou fazer com o que tem, de Ricardo Machado. Ambos fizeram parte da Mostra Brasil 2 – na minha opinião, foram os grandes destaques – e pertencem ao gênero de documentário. De maneiras bastante distintas, cada um deles é estruturado especialmente para apresentar e desenvolver sua personagem central.
Em Realmente, temos o cativante Gê, um rapaz de Belterra que sofre preconceito por sua voz hipernasal (fanha), mas não se deixa abalar e vive feliz à sua maneira. Incluindo entrevistas de sua mãe, seus amigos e do próprio Gê, o documentário segue uma estrutura relativamente tradicional. A “magia” do curta, por assim dizer, está centrada no carisma do protagonista, que efetua suas tarefas diárias com vigor e tem vários sonhos e planos para o futuro, como o de ser um “grande empresário”, em suas palavras. Sua positividade é retratada de forma tocante, transmitindo uma forte lição de vida aos espectadores – sem, contudo, pender a uma carga dramática exagerada.
Já em Tim, vou fazer com o que tem, o tom da narrativa é mais investigativo do que expositivo, com o diferencial de optar por letreiros em vez de uma narração em off – uma boa escolha, que concentra a atenção do espectador na parte visual, ao mesmo tempo em que destaca a cena em que ocorre uma conversa no Skype entre diretor e personagem. A ausência de uma entrevista bem sucedida com Tim torna suas filmagens amadoras ainda mais interessantes, pois elas são o único canal de comunicação entre personagem e espectador. A montagem auxilia, mas o que realmente causa o riso do público é a excentricidade e a curiosidade quase infantil de Tim, sua vontade de compreender e ser compreendido, divertir a si e aos outros.
Apesar das diferenças de abordagem, ambos os curtas enfatizam a autenticidade de seus protagonistas e como suas características aparentemente exóticas engrandecem suas personalidades. Isso pode ser comprovado, também, na trilha musical dos curtas: em Realmente, Gê assovia uma música de sua autoria, e a única música na trilha de Tim provém de seu numeroso acervo de vídeos caseiros. Esse amadorismo na filmagem é explorado também em uma cena de Realmente, em que Gê mostra sua taberna com movimentos de câmera entusiasmados – que, no contexto, são até graciosos.
Outra semelhança entre os curtas está em seus títulos. Nos dois casos, o nome do curta provém de um diálogo entre o protagonista e o idealizador do filme – o termo “realmente” é quase um vício de linguagem do simpático Gê, e a frase “tim, vou fazer com o que tem” encerra a conversa (que tinha como assunto a entrevista nunca feita) e o curta de Machado. Vemos, temos dois ótimos exemplos de documentários: com estilos próprios, mas com a mesma relação de proximidade com seus personagens.
Letícia Fudissaku