Acima de nós, só Deus e a roda da frente sobre Ramal, dirigido por Higor Gomes
Por Felipe Rodrigues da Costa
Em um vale, numa tarde ensolarada e mágica, jovens empinam suas motocicletas como se o tempo não andasse. Em “Ramal”, Higor Gomes utiliza uma forma naturalista para mostrar a magia e a sacralidade do “grau”, o ato de empinar suas motocicletas. Com garotos ocupando e transformando um viaduto periférico no interior de Minas Gerais, o tendo como um santuário.
Com uma fotografia expansiva e grandiosa, Higor Gomes constrói uma relação de comunidade. A fotografia começa com planos individuais, como por exemplo, as primeiras cenas que focam em apenas um personagem no enquadramento e depois, focam em planos conjuntos, enquadrando o grupo de forma majoritária. Planos de estabelecimento também são comuns, mostrando a importância da localidade.
O filme traz uma grande relação de um mundo real e uma realidade alternativa, invocada por aqueles que trabalham o dobro. Os motoqueiros abrem um portal para congelar o tempo e desfrutar uma pequena fração do presente. O grupo vive um momento hedonista.
Através dos diálogos e trilhas sonora, percebe-se uma realidade crua e sensível, que ganha um grande ar poético com os elementos oníricos abordados, desde objetos, como uma “luva mágica” usada por um dos motoqueiros, quanto um portal aberto pelo grupo, com a ideia de parar o tempo. O ideal de ocupar e realizar um “ritual” para o tempo congelar e poder desfrutar de um lazer de interesse mútuo, traz um grande senso de comunidade e abre novos caminhos para um sonho coletivo, a visibilidade em meio a grandes montanhas.
As motocicletas deixam de ser apenas um meio de transporte e são tidas como verdadeiras parceiras de cada um dos motociclistas, às tendo como um objeto sacro e vivo, além de algo provedor de lazer, oportunidades e pertencimento.
Em um mundo onde dois trabalhos ocupam todo o repouso, realizar uma manobra e chegar o mais alto possível com o pneu, é o que importa em uma realidade de presente infinito.