Nas Teias da Estrutura Social sobre Tato, dirigido por Pedro Carvalho

Qual é o grau de escolha que os indivíduos de classes baixas têm para decidir se seguem uma profissão ou outra? A inserção em uma esfera profissional é uma questão de escolha individual ou há estruturas sociais pré-estabelecidas a organizar tais decisões? Esta é a discussão central da história contada pelo diretor Pedro Carvalho, em Tato (2024).

Wellington é um jovem trabalhador de classe baixa. Sua vida laboral é dupla. A fatia maior de tempo é dedicada ao emprego como ajudante de pedreiro na construção civil. E, com as sobras, ele toca seu estúdio de tatuagem. Sobreviver exige alguma fonte de renda minimamente estável. Então, enquanto o rapaz não se estabelece no ofício dos seus sonhos com tintas e agulhas, marretas e concretos lhe sustentam.

O objetivo de Wellington é definido desde as primeiras cenas do filme. O roteiro deixa o protagonista e o espectador sonharem juntos. No horizonte há um artista de peles. Mas também há um pedreiro. Todo trabalho constrói tipos específicos de corpos. O labor na construção civil esculpe um ajudante de pedreiro com seus ferimentos cotidianos, as calosidades e o enrijecer dos dedos. A mão a quebrar paredes não pode ser a mesma a manejar habilmente as agulhas de um tatuador. A corporeidade do trabalhador braçal, forjada entre uma marretada e outra, é o obstáculo para o sonho do rapaz.

Um dia, há um acidente no trabalho. Gotas de sangue salpicam o chão. Não é apenas uma mão ferida. É um sonho a se esvair  de um corpo. Perde-se o tato, ficam os dedos rústicos do pedreiro. Wellington se aflige. Sobreviverá de marreta nas mãos ou de agulhas entre os dedos?

A maioria dos planos que mostram o protagonista no trabalho são fechados. Nos aproximam de suas aspirações, mas também expressam as limitações estruturantes da vida de alguém como Wellington. Será mesmo o esforço a chave para a ascensão social? Ele se esforça, mas parece condenado ao seu destino de classe. Quantas chances de sucesso as estruturas sociais reservam para trabalhadores pobres e de classe baixa, como o protagonista desta história? O que há no horizonte daqueles para os quais a única moeda de troca é a força dos braços com a qual tentam enfrentar as agruras do mundo capitalista?

O filme de Pedro Carvalho não crava respostas, semeia perguntas. É um recorte da vida de um rapaz pobre da sociedade do dinheiro. Para estes, raramente há respostas, somente dúvidas. A marreta torna-se, ao fim e ao cabo, a lápide sobre o túmulo do sonho de Wellington.

Biografia: Eduardo Barbosa é cientista social, sociólogo e crítico de cinema. É membro do Núcleo de Estudos em Ambiente, Cultura e Tecnologia do Programa de Sociologia da UFSCar, onde trabalha com sociologia do cinema em uma tese de doutorado. Não vive sem cinema e sem escrever críticas de filmes.

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