O Telhado da Elite sobre Dependências, de Luisa Arraes

Por Menato Relo

O curta-metragem Dependências (2023, de Luisa Arraes) é uma sátira bem-humorada que conta a história de uma família abastada de classe alta, com gosto brega, composta por uma mãe e seus dois filhos. Prestes a receber em sua casa colegas do escritório, incluindo o  novo presidente da empresa, em um jantar em que pretende reforçar sua candidatura à vice-presidência, tudo foge ao controle com a inesperada ausência de Dadá, a empregada da casa.

Na falta de conhecimentos básicos de sobrevivência, a narrativa se desenrola em meio à histeria dos personagens. A direção de atores é rica, teatral e altamente performática, com expressões exageradas que, no entanto, não provocam distanciamento do espectador, pois estão perfeitamente situadas no contexto da comédia do absurdo. A fotografia, assim como a direção de arte, é notavelmente bem construída, com uso em algumas cenas de luz natural e planos cuidadosamente elaborados, além de movimentações de câmera que acrescentam dinamismo à narrativa. A escolha de objetos na cena, como o quadro Colheita de Djanira da Motta e Silva, enriquece a mise-en-scène, acrescentando camadas de significado visual que complementam a atmosfera do filme, e resulta em uma experiência cinematográfica visualmente rica e com uma narrativa envolvente. Embora tenha uma proposta simples em sua execução, o filme é visivelmente bem estruturado.

A história diverte ao explorar a mediocridade dos personagens financeiramente privilegiados, cumprindo seu papel de crítica social, ao mesmo tempo em que mantém o público cativado do início ao fim da narrativa. Um dos momentos mais significativos em relação à ausência da empregada é quando a filha entra no quarto de Dadá e observa desenhos e fotos suas e do irmão colados na parede. A cena em que a filha se deita na cama, como um bebê à espera de consolo, revela muito sobre a dinâmica da família e sobre a importância da personagem ausente.

Trata-se de um filme tecnicamente refinado, e pensado com cuidado em sua execução, com uma construção sólida e rostos familiares, de modo que parece feito para ser um sucesso. O último quadro do filme é uma poesia pichada no muro, de autoria do dramaturgo Bertolt Brecht: “Perguntas de um trabalhador que lê; Em cada página, uma vitória, mas quem preparava o banquete? Tantas histórias, tantas questões”. Embora a escolha da frase seja quase perfeita ao contexto do filme, ao optar por uma referência estrangeira, o filme parece cair na armadilha de subestimar as vozes locais, que são igualmente, senão mais, capazes de capturar as complexidades e contradições do contexto nacional. Essa escolha, ainda que coerente dentro da proposta da obra, deixa uma sensação de que algo essencial foi deixado de lado, perdendo a oportunidade de se conectar de forma mais profunda com o público brasileiro.

Biografia: Menato, cineasta e multi-artista nascido e criado na periferia de São Paulo, descobriu sua paixão pelo audiovisual em 2013. Com uma formação robusta que abrange animação, fotografia e especializações em pós-produção, ele tem deixado sua marca em projetos significativos como a série “AFRONTA!” e os documentários “Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo” e “Motriz Roda de Afeto”. Atualmente, Menato atua na indústria audiovisual e publicitária, colaborando com marcas e projetos de prestígio, sempre com um olhar atento à representatividade e um compromisso inabalável com a qualidade.

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