A mulher no cinema e o cinema das mulheres

muta

por Amanda Martinez –

O cinema tem, desde sua origem, difícil relação com as mulheres. Apesar de, no âmbito dos espectadores, elas serem parte bastante representativa, isso não se reproduz nas telas. São poucas as protagonistas femininas e, quando existentes, são frequentemente submissas ao personagem masculino ou encarnam algum tipo de estereótipo machista. O fenômeno, na realidade, não é tão surpreendente: por trás dos filmes, também é mínima a presença de diretoras, não passando de 20% na grande maioria dos países nos últimos anos. Vem crescendo ultimamente, entretanto, ao menos o debate sobre a situação, e alguns projetos e editais visam fortalecer uma maior participação feminina no audiovisual. Ironicamente, uma dessas iniciativas partiu de talvez um dos segmentos menos feministas possíveis: a moda de alta costura da Miu Miu, pupila da gigante francesa Prada.

A proposta da marca é o “Contos de Mulheres”, projeto que vem patrocinando desde 2013 uma série de curtas-metragens dirigidos por mulheres. Até então nove, os filmes são disponibilizados via internet e foram exibidos juntos em algumas sessões do Festival Internacional de Curtas deste ano. Muito além do marketing, as modelos e atrizes vestem Miu Miu e encenam histórias que mergulham livremente no universo feminino, trazendo debates interessantes no palco da indústria opressora da moda.

Ao contrário de previsíveis questionamentos sobre machismo, os enredos criados por talentosas cineastas se debruçam na cultura puramente feminina. Através de roteiros soltos e em geral subjetivos, são abordados em profundidade assuntos que englobam desde roupas, vaidade e raça até algo mais emocional, sobre o papel da familia e das amizades. Como faísca para os debates, um certo jogo de opostos é identificado na maioria dos curtas, como no Muta, de Lucrecia Martel, em que o glamour e elegância de modelos esguias se mistura com seu comportamento primitivo, quase grotesco. Há também uma forte oposição estética entre a riqueza do vestuário e a pele natural e crua das personagens, como no trabalho de Giada Colagrande, O Vestido da Mulher, onde a confecção de peças de desejo se origina da nudez e do sangue. Há uma certa atemporalidade nos curtas, que por vezes tem um ar retrô, parecem pertencer a países distantes ou até são falados em línguas e sons inexistentes, algo que colabora positivamente para a criação de momentos e universos imaginários capazes de colocar de forma objetiva a indagação que cada temática trás.

Entre críticas e homenagens às questões femininas, a principal conquista dos contos é a de não invalidar e refutar tais pontos considerados em geral fúteis, como a própria moda tende a ser. As personagens são, sim, vaidosas e, sim, emotivas e, por que não, até mais objetificadas que seus vestidos-vivos, como no curta de Alice Rohrwacher. E é no ato de anti-fuga dessas abordagens que os filmes tem um efeito transformador sobre assuntos tão triviais na feminilidade, tornando-os algo artístico, enriquecedor e relevante, o rompimento da ideia de superficialidade do universo feminino em relação ao masculino.

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