LA JUNGLA TE CONOCE MEJOR QUE TÚ MISMO (entrevista)

O cinema que acha sua voz, o cinema necessário

Premiado no Festival de Berlim deste ano, selecionado para o Festival de San Sebastian e exibido na Mostra Latino-Americana 2 do Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, “La Jungla te Conoce Mejor que Tú Mismo” trouxe mistério e uma viagem espiritual para as sessões. O Crítica Curta fez uma entrevista por Skype com a diretora Juanita Onzaga, que atualmente mora na Bélgica.

A diretora Juanita Onzaga Foto: Divulgação

Após se formar no ensino médio na Colômbia, ela decidiu desbravar outros lugares. Morou inclusive no Brasil, e realizou o sonho de estudar literatura na França. Em meio a alguns takes em terras francesas, resolveu estudar direção de fotografia na Bélgica, além do mestrado em direção cinematográfica, em que teve seu curta (em inglês, “The Jungle Knows You Better Than You Do”) como trabalho de conclusão.

A ideia de realizar o filme surgiu quando ficou dois meses dentro de um apartamento após um acidente. Passou esse tempo lendo muitas histórias de realismo mágico, de violência, foi relacionando-as à morte de seu pai e ao seu irmão, e transformou tudo isso em uma narrativa. Para ela, o que importa é o modo poético — “não interessa a verdade, mas a realidade invisível da vida” — do que aconteceu com seu pai, o período rebelde adolescente do irmão.

Escrever o roteiro foi de certa forma intuitivo; gravar foi difícil, mas divertido; e montar foi um processo criativo e transformador, em que tudo se transformou. Juanita conta que o título de sua obra surgiu na edição, e que nessa etapa do projeto começou a sentir a “jungle” (floresta/selva), os espíritos, vozes. Tudo foi tomando forma.

Ela sabia que queria começar com sua voz narrando um relato, com as ruas de Bogotá e o trajeto que pegava de ônibus para voltar para casa. Assim, já queria deixar claro para o espectador do que se tratava seu filme. O processo de montagem foi o mais demorado e no qual mais a obra se transformou. Ela conta que editava, voltava, deixava parado e depois voltava novamente.

Não sabia qual voz colocar no filme, se a dela ou a de seu irmão; perguntada sobre quem comanda o filme, ela diz que acha que é seu irmão, por conta de ser o impulso para a realização da obra — construiu as emoções do filme de acordo com o irmão. A “jungle” está lá, é o lugar que nós todos temos em nossas cabeças, em que pensamos em nossos antepassados, nossos sentimentos, e esse lugar que nos pertence e que sabe mais do que nós mesmos.

Algumas pessoas dizem que é documentário, outras que é ficção, mas a diretora diz que é apenas um filme. Quem diz que é documentário o faz por conta de ser autobiográfico, mas ela realmente só pensa que é a mistura do roteiro que tinha escrito com a gravação com o irmão. Juanita conta que nunca mostrou o roteiro

para o irmão, apenas ia seguindo ações e, como um dispositivo audiovisual, falava para ele dizer tudo o que queria fazer, como na cena em que retira as colagens do quarto para pintar as paredes.

Câmera muito próxima, descobrindo-o, o que ele olhava, o que sentia. O contato dele com as atrizes contratadas, a intimidade ainda não desenvolvida ao extremo. Ela diz que foi um processo muito divertido. Ambos têm uma boa relação um com o outro, assim como ela com sua mãe, que é sua maior heroína, quer fazer um filme para ela, e com seu pai, que está “no fundo do coração”, sua “maior inspiração”.

O irmão de Juanita que atua como personagem/ator de si mesmo Foto: Divulgação

Suas maiores referências estão na literatura: Júlio Cortázar, que foi a maior influência no estudo de literatura na França; Hermann Hesse e o jeito profundo com que escreve suas obras, como ele vai fundo na espiritualidade e aspectos filosóficos. Suas referências cinematográficas começam com o tailandês Apichatpong Weerasethakul e sua mistura não clara entre o que é mágico e o que é real; a poesia e os diálogos de “Aquele Querido Mês de Agosto”, do português Miguel Gomes, e uma de suas maiores influências: a argentina Lucrecia Martel.

Juanita afirma que os novos realizadores têm que ser honestos com eles mesmos, com o que os fascina e os leva. “Just do it!”, diz. Temos que começar com o que já se sabe, depois ir descobrindo histórias e projetando fora de você, saber o que funciona com você e não perder a fé. A colombiana diz que a América do Sul está mudando e que nós precisamos colocar isso nos nossos filmes, no nosso cinema. Essa é a responsabilidade que temos.

Para ela, atacar não funciona, mas sim observar, fazer filmes que as pessoas não querem ver. Nós somos corajosos, nós podemos fazer! Ela diz que a América do Sul é muito rica, que está achando suas linguagens. Países em desenvolvimento têm histórias para contar, falar sobre sua luta. Nações como Colômbia e Venezuela estão começando a achar uma linguagem. É refrescante esse novo cinema, que tem mais camadas do que se imagina. Mesmo com conflitos de guerrilhas e outros problemas, a Colômbia tem muita beleza para mostrar. É um cinema necessário.

 

(Guilherme Franco)

 

 

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