A questão do roteiro nos curtas brasileiros

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por Adriana Gaeta –

Acompanhei com muito interesse as mostras Brasil, Latinos e Panorama Paulista. E o fato é que neste apanhado de curtas que assisti, o cinema brasileiro está em atraso em pelo menos um aspecto: o do roteiro. Sim, nós brazucas somos extremamente criativos, inovadores, temos um ritmo de narrativa e de montagem que faz com que nossos filmes (em geral) sejam gostosos de assistir. Sim, temos uma gama de temas abordados absurda, personagens reais (no caso dos documentários) interessantíssimos, nosso país tem histórias incríveis para contar. Mas como diz Nelson Rodrigues em sua famosa frase “teatro não é bombom com cereja” está faltando algo mais também em nosso cinema.

Minha impressão é que os filmes estão aí para agradar, são de fácil assimilação. Está faltando roteirista. Roteirista que acredite não na grande ideia, mas em ir mais fundo nos temas. Roteirista que acredite na inteligência do espectador. Roteirista que me convide para dançar, mas não conduza a ação da dama. Por outro lado, os latinos veem com uma força e um grau de maturidade na abordagem das personagens impressionante. Os hermanos tem técnica cinematográfica, mas também tem uma narrativa madura, densa, complexa. Eles fogem do maniqueísmo que é tão caro a nós brasileiros e em filmes como Bezerra, Feliz aniversário e O passado partido as personagens são complexas, contraditórias e por isso mesmo extremamente vivas.

Verdade que essa escolha pelo paradoxal faz de mim uma espectadora menos “emocional”. Não torço pelo final feliz. Aliás, algo me diz dentro da sala de cinema, que não haverá final e muito menos feliz. E essa libertação me aproxima de maneira muito diferente dos filmes latinos. A construção da personagem é mais ampla e por isso, elas não ficam restritas à situações simplistas. Não há o som de berimbau para ilustrar um documentário sobre a situação dos negros (USP 7%) ou a valorização passional da personagem feminina (Ciclo 7X1). O que quero dizer é que a abordagem da personagem não é única nem reta.

O curta O rapaz se masturba com raiva e ousadia é um exemplo disso. Filme sobre um bailarino que faz programas para sobreviver, não há na construção do filme trilhas, enquadramentos ou qualquer outro catalizador de minha emoção. Jonathan não é bom, nem mau, nem o que ele faz é certo ou errado. É a luta pela sobrevivência e ponto. Sem indução do espectador. O que posso concluir é isso: o que falta no cinema brasileiro é mais maturidade e menos mimimi.

Anfíbio: filmar o momento exato

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Armando Manoel –

Quando fazer um curta? Qual o melhor momento para se contar uma pequena anedota audiovisual? Que tipo de histórias serve ao curto espaço de alguns minutos? As perguntas não são literais, no sentido do tempo da produção, das intenções e da disponibilidade da equipe, ou, mais especificamente, da execução dum projeto qualquer. Proponho tais questionamentos para refletir sobre qual seria o momento exato a ser retratado num filme, como encontrar esse momento, como percebê-lo e, como representá-lo num curto intervalo de tempo? E, sobretudo, existe um momento exato para um filme?

Anfíbio, de Héctor Silva Núñez, nos ajuda a pensar sobre. Este conto sobre a viololência invisível e cotidiana nos apresenta 15 minutos de um drama familiar que se desenrola nos povoados de Santa Rosa de Agua e Capitán Chico, em Maracaibo, Venezuela. Ali, às margens de um grande lago, entre o mangue e o lixo, conhecemos o jovem Jesús procurando emprego para seu irmão mais velho José, que acaba de ser fichado pela polícia. O pai dos jovens exige que José arrume um emprego como condição para que ele continue vivendo sob o teto familiar que mantêm como pescador.

A atmosfera do filme é de preocupação. Essencialmente a preocupação de Jesús em relação a seu irmão. José parece muitas vezes já ter escolhido seu caminho, conversas e atitudes suspeitas marcam seu personagem. A Jesús só cabe tentar entender o que se passa. Investiga e acompanha o irmão mais velho, mas não parece compreender a dura realidade que os cerca. José sempre tem dinheiro e anda com telefone celular em meio a pobreza lacustre.

O vento sopra forte o filme todo, durante os dias e as noites. Parece uma mera condição geográfica, uma brisa tropical típica da região, mas é o incessante vento das mudanças. O pai dos garotos dá um ultimato a José: já que não há meios de encontrar trabalho, no dia seguinte, ele deve acompanhar o velho na pescaria, ou então, partir.

A tartaruga de estimação de Jesús escapa de seu pequeno recinto. José não aparece na hora marcada e arruma suas malas, Jesús tenta dissuadir o irmão da ideia. Não há como. A partida é inevitável. A melancolia se faz presente e acaba por justificar porque Jesús não poderá mais olhar com os mesmos olhos o ambiente anfíbio que o cerca.

Sem querer a vida segue. Muito talvez tenha mudado para Jesús, pouco, ou quase nada se altera naquele cotidiano marcado pelas muitas garrafas PET à deriva, e pela violência invisível que molda os homens do mangue. Héctor Silva Núñez apresenta com maestria o que gosto de chamar de eficácia de um curta-metragem. Ou seja, a capacidade de um curta de nos atingir intimamente e provocar os sentimentos e a reflexão sobre o mundo e a vida. Pensando na dualidade forma e conteúdo, Anfíbio responde bem a questão do momento exato demonstrando que experiências breves em termos temporais, mas sobretudo embuídas de particular sentido e valores simbólicos resolvem muito bem aos desafios do formato proposto e servem muito bem a um curta metragem.

Anfíbio foi filmado nas comunidades retratadas e conta com Jesús Manuel García,13 anos, e Franklin González, 20 anos, nos papéis principais. Ambos são naturais do local e não tinham experiência prévia como atores. O curta foi escolhido para a Sessão Cinéfondation no Festival de Cannes de 2015, sendo assim a primeira obra venezuelana a figurar nos 15 anos de existência da sessão – conhecida por revelar novos talentos da cinematografia mundial.

Anfíbio está na Mostra Latino-americana. Clique aqui e veja a programação do Festival de Curtas 2015

Latinos: sexualidades e gênero em discussão

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por Giovanni Rizzo –

Dos cinco filmes presentes no programa Latinos 1 da mostra latino-americana, três eram ou passavam de alguma maneira pela temática LGBT. Não apenas por uma representação do universo gay, mas com formas de discutir a sexualidade e romper com os tabus. Talvez o cinema e a liberdade do curta-metragem sejam uma saída para a comunidade latino-americana discutir assuntos que não estariam em pauta.

Dessa maneira, dois filmes chamaram atenção pela relevância dos temas dentro desse universo: o chileno Loucas Perdidas, vencedor do Queer Palm no Festival de Cannes deste ano (dado justamente a filmes com a temática LGBT), e o mexicano Glória. Ambos com produções primorosas e que parecem conter um mesmo assunto, mas que possuem particularidades muito grandes em relação às escolhas da direção e condução do curta, além de especificidades dentro do tema para serem considerados um só.

Loucas Perdidas acompanha a trajetória de Rodrigo logo após ser preso durante uma invasão policial no clube onde trabalha como drag queen, o que faz o garoto planejar sua fuga de casa com receio de que seus familiares, principalmente sua mãe, o vejam na televisão. Para isso ele tenta convencer seu namorado, um barbeiro amigo da família a levá-lo daquele lugar. O filme chileno é sensível e contém um ritmo delicado, estudado e cadenciado, apostando em planos estáticos com uma disposição de quadros milimetricamente planejados, no qual a posição das personagens conferem dramaticidade e um subtexto rico àquela trama. Assim, após sua primeira cena, a prisão do protagonista, a história toda se desenrola na casa do garoto, cercado pelas mulheres de sua vida, a mãe e as irmãs, além de seu companheiro, que parece sempre presente naquele mundo. Dessa maneira, Loucas Perdidas constrói um ar de opressão para Rodrigo, tanto nas suas relações familiares quanto naquela casa onde vive, na qual precisa escondido revelar sua própria identidade e a única maneira de se ver livre é através de um furo jornalístico. Só isso acarretaria na sua desejada fuga, ou melhor, sua liberdade.

Por outro lado, o curta Glória aborda a liberdade de gênero, mostrando a vida de um homem motorista durante o dia que ao anoitecer troca o volante pelos palcos de uma boate onde encena seu show como a drag queen Glória. E como o filme é perspicaz ao mostrar em pouquíssimos minutos a vida monótona e acelerada do protagonista, fato evidenciado pela montagem ágil, deixando claro elementos que provavelmente são cotidianos para aquele homem. No entanto, quando chega a noite o motorista deixa pra trás sua rotina e se transforma em Glória, guardando suas chaves e vestindo seu corpete azul.

E nesse clube noturno, onde o protagonista sente-se à vontade, Glória passa a dar importância para os mínimos detalhes daquela vida noturna. A câmera e a direção do mexicano Luiz Hernando de La Penã são fluídas e acompanham aquele personagem inserido naquele universo, o movimento é constante, ágil e ao mesmo tempo sutil, demonstrando toda efervescência do alter ego daquele homem e de seu lugar de trabalho.

Aquela nova roupagem serve justamente como um uniforme de um super-herói, pois o motorista transforma-se em um personagem que dá alegria ao seu público, consola sua companheira de palco que tem problemas com o companheiro que só quer seus seios e seu pênis, e dá show para si mesmo. E depois de tudo isso volta para seu mundo habitual, dá boa noite para suas filhas, sua esposa pergunta como foi o show e eles fecham a noite fazendo amor. Glória é sobre outras formas de sexualidade – impossível não lembrar de Almódovar, o show de drag queen é como o futebol jogado depois do trabalho, uma convenção para a maioria dos homens. O plano em que ele ajuda sua mulher a estender a roupa, ostentando seu corpete azul no varal do condomínio onde vive – e num simples movimento de câmera leva o homem às alturas, tirando-o das grades do prédio/sociedade e o deixando livre –, permite mostrar a total liberdade que aquele homem lida com suas escolhas. Glória é sobre a liberdade que Rodrigo quer um dia possuir, e os filmes são manifestos para que isso ocorra aqui na vida real. Tanto o curta mexicano quanto o chileno Loucas Perdidas são gritos para subverter uma lógica baseada no patriarcado heterossexual que ainda dita os padrões na América Latina.

Glória e Loucas Perdidas estão na Mostra Latino Americana 1. Clique aqui e veja a programação dos filmes no Festival de Curtas 2015

Começou o Crítica Curta 2015

26º festival internacional de curtas metragens de são paulo curta kinoforum

Estamos a um dia do começo do 26º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo. E como acontece em todos os anos desde 2005, a oficina Crítica Curta convida estudantes de curso de de audiovisual em instituições da cidade a produzir reflexão em texto sobre os filmes exibidos no festival. A coordenação do projeto neste ano fica novamente a cargo do crítico de cinema, pesquisador e jornalista Heitor Augusto.

Assim como no ano passado, este blog volta a ser o espaço de publicação dos artigos, apostando que a publicação no ambiente virtual permite mas possibilidades de circulação dos textos e diálogos com os leitores – realizadores e público em geral. Os participantes da oficina terão a responsabilidade de assistir diversas sessões que compõem o cardápio do festival. Suas reflexões estarão concentradas nos curtas das mostras Brasil, Panorama Paulista, Cinema em Curso e Latino-americana.

O blog Crítica Curta terá posts diários, escritos pelos “calouros” (que participam da oficina pela primeira vez) e “veteranos” (que já compuseram o projeto no ano passado e são convidados). Você pode acompanhar as atualizações pelas redes sociais, seguindo o Twitter da Kinoforum [clique aqui] e curtindo a página do Facebook [clique aqui]. No topo de cada post no blog você encontrará um botão para compartilhar os textos.

A navegação é simples: na parte superior da home page estão os posts mais recentes. Do lado direito da metade inferior da home você poderá procurar por textos usando tags (nome do filme, nome do diretor, nome do autor, tema do curta etc). À direita de cada página há a nuvem de tags, que aponta os tópicos mais comentados nos textos.

Abaixo está a lista dos calouros que participam da oficina neste ano:

Adriana Gaeta
Armando Manoel Neto
Giovanni Rizzo
Janaina Garcia
Juliana Souza
Lígia Jalantonio Hsu
Mariana Moura Lima
Raphael Gomes
Rafael Dornellas
Rodrigo Sá

Sejam bem-vindos e boa leitura!

Termina mais um Crítica Curta

audiencia de cinema

Dezessete estudantes de cinema e comunicação. Doze dias de cobertura de filmes espalhados pelas mostras Brasil, Internacional, Panorama Paulista, Latino-americana, Diversidade Sexual e Infanto-juvenil. Chega ao fim mais uma edição, a 10ª, do Crítica Curta, oficina de crítica de cinema que acontece durante o Festival Internacional de Curtas-metragens, cujos textos são publicados neste espaço.

Os textos produzidos neste ano continuarão disponíveis no blog, servindo como fonte de pesquisa para os próximos anos, ilustrando como esse ou aquele curta foi recebido no calor da hora. Para realizar uma consulta de um texto ou filme específico, basta usar o campo de busca na página inicial do blog (no topo, à direita, desta página), digitando o nome do filme. Se desejar navegar pelos assuntos que mais apareceram nos textos, basca fazer uma busca utilizando uma tag sob a qual as críticas foram marcadas (por exemplo: “adolescência”, “violência”, “política”, “animação”, etc).

É possível também efetuar buscas por meio da mostra em que os filmes foram exibidos. Lobo abaixo o campo de buscas, navegue por um dos itens tópico Filtro por Mostras.

Como coordenador do projeto, deixo aqui um agradecimento aos oficineiros que se comprometeram em realizar reflexões a respeito do curta-metragem, ao Festival de Curtas por manter a atividade, e aos leitores que acompanharam a cobertura por aqui.

Heitor Augusto

Sobre o altíssimo nível dos curtas de animação

padre

por Ricardo Corsetti –

Em primeiro lugar, confesso não ser um grande fã dos filmes de animação, mas o fato é que no decorrer do festival, tenho visto alguns trabalhos de tamanha qualidade, tanto em termos técnicos quanto de conteúdo, que acabei até revendo minha opinião sobre o gênero.

A começar pelo excelente curta argentino Padre (2013), dirigido por Santiago ‘Bou’ Grasso. Este lindo filme que tem como pano de fundo temático a ditadura Pinochet, possui um trabalho de direção de arte, no que se refere a composição dos objetos de cena e uso de cores como elemento narrativo, superior até a muitos filmes com cenários reais que eu já vi por aí ultimamente. A paleta de cores básica do filme é toda por composta por tons pastéis, provavelmente visando amenizar o tema pesado que aborda e, ao mesmo tempo, demonstrar o cotidiano de vazio e solidão sob o qual vive a protagonista do curta. Em resumo, um belíssimo trabalho!

Em seguida, eu destacaria o curta de animação francês Billie’s Blues (2013), dirigido por Louis Jean Gore. É no mínimo surpreendente verificar que, embora trate-se de uma animação francesa, este ótimo trabalho possui referências que vão desde o clássico cinema noir (devido ao constante clima de mistério e traição), até à saudosa Blaxploitation setentista, influência visível em algumas cenas que chegam a lembrar clássicos do gênero tais como Coffy e Cleópatra Jones. Merece também destaque a belíssima trilha sonora composta por pérolas do blues e do jazz norte-americanos.

Considero também digno de nota, o curta mexicano O Senhor dos Espelhos (2014), dirigido por Mara Soler Guitián. Ainda que aqui o nível de sofisticação visual não chegue ao mesmo patamar dos filmes anteriormente citados, o fato é que este criativo trabalho, apesar de seu traço rústico, aborda uma temática interessante e sempre presente em nosso cotidiano: o eterno embate entre o homem e a natureza. Destaque também para ótimo trabalho de montagem do curta.

Diversidade internacional

tres pedras para jean genet

por Ricardo Corsetti –

A seleção de filmes que abriram a 25ª edição do Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo foi, sem a menor dúvida, bastante variada, indo desde um clássico absoluto do formato até uma animação feita a partir das mais modernas técnicas de computação gráfica.

O primeiro filme exibido foi Labirinto Eletrônico: THX 1138, feito em 1973, pelo hoje renomado e badalado diretor norte-americano George Lucas. O filme em questão tem seus méritos enquanto exemplo de cinema não-narrativo e esteticamente interessante por fazer uso dos recursos de transparência e opacidade (conceitos estes que aprendemos em aulas de comunicação visual nas faculdades de cinema atuais). Mas o fato é que a ideia de um futuro sombrio dominado pela frieza tecnológica, por já ter sido exaustivamente discutida e explorada tanto pela literatura quanto pelo cinema contemporâneo, acaba soando um tanto datada. Além disso, outros cineastas também fascinados pelo tema, assim como Stanley Kubrick em Laranja Mecânica ou David Cronenberg em Videodrome, conseguiram abordá-lo com mais profundidade e melhor fluência narrativa.

Em seguida, tivemos o curta colombiano Leidi (2014), dirigido por Simon Mesa Soto. Vale destacar o fato de que este filme foi, recentemente, vencedor na categoria de melhor curta-metragem no Festival de Cannes. É inegável que o filme conta com um ótimo trabalho de direção, possui boa fotografia, etc. Porém, em termos de roteiro, é bastante raso, e não foge ao já lugar-comum do cinema de caráter social praticado na grande maioria dos países latino-americanos. A propósito: é óbvio que tal comentário não significa que eu não reconheça a importância e necessidade de se retratrar a realidade de exclusão social e má distribuição de renda que caracteriza a quase totalidade dos paíse latino-americanos. Eu apenas gostaria de ver uma maior diversidade temática e de gêneros sendo praticada aqui fora do eixo norte-americano e europeu de produção cinematográfica. De qualquer modo, conforme já mencionei, do ponto de vista técnico, Leidi tem lá seus méritos.

Tivemos também o belíssimo Three stones for Jean Genet (2014), dirigido por Frieder Schlaich. O curta foi rodado em película 16mm, com linda fotografia em preto e branco e imagem granulada. Trata-se de uma grande homenagem ao dramaturgo e poeta marginal por excelência Jean Genet. E conta com narração e presença da eterna musa indie Patti Smith. Para aqueles individuos que, assim como eu, já passaram dos 30 anos e são fãs ardorosos de ambas as lendas citadas (Jean Genet e Patti Smith), a nostalgia com certeza bate forte e é preciso se segurar para não cair em lágrimas de emoção. Obrigado, Frieder Schlaich, por essa obra-prima incontestável!

Na sequência, vimos We Are Not Amused (2013), dirigido pela britânica Vicki Bennet. Trata-se de um bem-humorado curta de animação (que aparece utilizar a técnica conhecida como rotoscopia), retratando a influência das mitológicas musas gregas do conhecimento, nas artes em geral. A ideia é muito boa e divertida, apenas acho que a diretora poderia ter extendido um pouquinho mais a duração do filme para desenvolver melhor o tema.

Por fim, tivemos o ótimo Meu Amigo Nietzsche (2012), dirigido por Faustón da Silva. Em termos técnicos, o curta é bastante simples e até mesmo convencional. No entanto, a ideia central da trama: um garoto humilde que encontra jogado no lixão um exemplar de Assim Falou Zaratustra e, a partir daí, tem sua visão de mundo completamente transformada pelo livro, é simplesmente genial! Isso sem contar para quem ainda não o assistiu o igualmente hilário desfecho da trama. Em resumo, Meu Amigo Nietzsche é um ótimo exemplo de como bastam apenas uma câmera no tripé e uma ideia na cabeça (somada a um elenco amador) para se fazer um bom e extremamente criativo curta-metragem.

Clique aqui e confira a programação do Festival de Curtas 2014

Vem aí o Crítica Curta 2014

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Estamos a uma semana do começo do 25º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo. E como acontece em todos os anos desde 2005, a oficina Crítica Curta convida alunos de audiovisual a produzir reflexão em texto sobre os filmes exibidos no festival. A orientação e coordenação do projeto neste ano fica novamente a cargo do crítico de cinema e pesquisador Heitor Augusto.

Assim como no ano passado, este blog volta a ser o espaço de publicação dos artigos, apostando que a publicação no ambiente virtual permite mas possibilidades de circulação dos textos e diálogos com os leitores – realizadores e público em geral. Os participantes da oficina terão a responsabilidade de assistir diversas sessões que compõem o cardápio do festival. Suas reflexões estarão concentradas nos curtas das mostras Brasil, Panorama Paulista, Cinema em Curso e Latino-americana.

O blog Crítica Curta terá posts diários, escritos pelos “calouros” (que participam da oficina pela primeira vez) e “veteranos” (que já compuseram o projeto no ano passado e são convidados a retornarem). Você pode acompanhar as atualizações pelas redes sociais, seguindo o Twitter da Kinoforum [clique aqui] e curtindo a página do Facebook [clique aqui]. No topo de cada post no blog você encontrará um botão para compartilhar os textos.

A navegação é simples: na parte superior da home page estão os posts mais recentes. Do lado direito da metade inferior da home você poderá procurar por textos usando tags (nome do filme, nome do diretor, nome do autor, tema do curta etc). À direita de cada página há a nuvem de tags, que aponta os tópicos mais comentados nos textos.

Abaixo está a lista dos calouros que participam da oficina neste ano:

Amanda Martinez (FAAP)
Andreia Saracchi Figueiredo (Cásper Líbero)
Arthur Ivo (Unicamp)
Beatriz Couto (FAAP)
Beatriz Modenese (Cásper Líbero)
Bianca Elias Mafra (Senac)
Camila Fávaro (FAAP)
João Gabriel Vilar Cruz (Senac)
Lucas Navarro (FAAP)
Mylena Santos Dantas (Cásper Líbero)
Pither de Almeida Lopes (Anhembi)
Plínio Chaparin (ECA-USP)
Samuel Baptista Mariani (Unicamp)
Thiago Zygband (Unicamp)
Valeria Tedesco (Senac)

Sejam bem-vindos!

Aprendendo a crescer

confabula de uma menina dissecada

Uma das oportunidades mais interessantes que festivais como o Kinoforum oferecem aos cinéfilos, é a de assistir obras de países como o México, cuja a produção cinematográfica atual raramente chega ao circuito nacional. A terra que nos presenteou com diretores excelentes, como Alejandro Iñarritu, esse ano nos agracia com uma bela obra de fantasia. Contrafábula de Uma Menina Dissecada, de Alejandro Iglesias (xará de Iñarritu), é uma “coming of age story” com ares de conto de fadas macabro e uma impecável direção de arte, aos moldes da escola del Toro, que, vale lembrar, também é mexicano.

Gizella está fazendo 15 anos e sua família burguesa lhe prepara uma grande festa para apresentar a filha, que se tornou mulher, à sociedade. A mãe lhe diz como se portar, o pai lhe ordena o que dizer e a filha mal consegue respirar embaixo de tanta pressão. Sozinha em seu quarto, enquanto termina de se arrumar, a garota nota algo embaixo da cama. Aproxima-se e descobre o objeto: um unicórnio de brinquedo, que lhe faz sorrir pela primeira vez. Assim como a cena citada transparece, é sobre essa dificuldade de abandonar a infância que a obra trata, mas, como toda boa fábula, abusa de metáforas para tecer seus posicionamentos.

Nesse ponto, os mais exigentes podem torcer o nariz e argumentar que a escolha por essa figura de linguagem é pobre e tola, mas, se Milan Kundera afirma que uma simples metáfora é capaz de fazer nascer o amor, podemos supor que uma série delas são capazes de gerar no mínimo alguma reflexão. Aos que eu não consegui convencer na sentença anterior sobre o possível valor das simpáticas alegorias peço que interrompam a leitura por aqui: elas serão encontradas em abundância pelas próximas linhas.

Aos que continuam, peço desculpas por minha extensão digressão. Mas bem, voltemos a trama. Durante o jantar, em meio a figuras mais bizarras que qualquer ser mitológico, a menina nota algo dentro da boca e, incomodada, vai até o banheiro onde descobre que um galho está crescendo dentro de sua boca. O peculiar membro cresce cada vez mais ao decorrer da noite, enquanto Gizella luta para escondê-lo a todo custo. Existe algo na jovem que quer aflorar, rebeldemente, mas a mesma se censura, no desespero de cumprir o seu sacro dever de honrar pai e mãe.

E aí reside o conflito da nossa donzela indefesa. De um lado, o anseio por agradar a mãe, que lhe proíbe de sujar as sapatilhas alvas quando o genuíno desejo de moleca é o de afundar os pés descalços, sem qualquer receio, na lama macia; a obrigação de recepcionar banquetes enfadonhos quando sonhar com unicórnios é muito mais interessante. O medo de crescer quando esse processo significa abandonar todos os prazeres que você conhece até então. A jovem se encontra desarmada em meio à guerra que seus pais declararam contra a sua infância, sem nenhuma trincheira para a mocinha se esconder.

O destino de Gizella, que precisa escolher entre o indivíduo e a instituição familiar, tem cores de tragédia grega; ela, sabores de Antígona, heroína de Sófocles que teve que escolher entre sua família e seu governo; e o drama é familiar a quase todos nós. Como toda fábula indica, por definição, o filme se encerra com uma moral da história. Mas sem a promessa de um final feliz.

Henrique Rodrigues Marques

Contrafábula de uma menina dissecada está na Mostra Latino-americana 5. Clique aqui e confira a programação do filme no Festival de Curtas 2013

Diversidade latina

chuva nos olhos

A Mostra Latino-americana 4 traz cinco curtas onde as relações entre pessoas, o cotidiano e a cidade são os temas recorrentes, mas tratados de maneiras diferentes.

Começamos com o documentário de Esteban Arguello, Trabalhando Ainda (Todavia Trabajando), onde o cineasta de maneira simplista retrata em imagens o dia a dia de sua avó na Argentina e a narrativa fica por conta das ligações que a avó faz para o neto que está na China. O curta trabalha bastante a questão do deslocamento, a avó que tem medo de parar de trabalhar e mudar de casa consequentemente e o neto, um cineasta argentino tentando viver na China.

O drama mexicano de Anais Pareto A Calçada (La Banqueta) envolve três homens, amigos de infância que seguiram rumos diferentes em suas vidas e se reencontram no lugar onde costumavam conversar e conviver como irmãos – na calçada. Em todos os momentos um dos personagens segue triste e cabisbaixo, mesmo quando estão todos se divertindo ele está com o semblante triste. No final todos eles tem o mesmo semblante e refletem sobre o que eram e no que se tornaram. Diferente dos dramas que em geral relatam a vida de uma garota, ou de um casal, como no filme Anqas desta mesma sessão, A Calçada consegue trazer uma visão bem masculina desse gênero.

Uma Cuba, pobre, com dificuldades, porém feliz é o que nos mostra Jorge de Léon Amador através do curta Felicidade (Felicidad) Através das imagens do cotidiano difícil de algumas pessoas da Ilha ele consegue nos mostrar um sorriso a cada cena. A câmera se entrosa com as pessoas e é bem aceita, um senhor chega até a dançar para ela e logo depois somos conduzidos a uma festa onde o diretor optou por nos deixar ouvindo música clássica enquanto víamos as mulheres se requebrando ao som de alguma música popular, fazendo essa fusão entre o popular e o erudito, a pobreza e a felicidade.

Anqas traz a angustiante espera da mulher que aguarda seu marido voltar para casa depois de anos trabalhando para a empresa de plástico. Os dois escrevem um para o outro por meio de carta em forma de diário e temos mais um filme narrado. É interessante a inserção de algumas cenas em animação que tem um aspecto de tricô e da subjetividade que o curta aborda o assunto tornando – o mais interessante.

Fechamos a sessão com o belíssimo e delicado Chuva nos Olhos (Lluvia en Los Ojos) uma animação mexicana de Rita Basulto. O filme aborda o primeiro contato da menina Sofia, de sete anos, com a morte, que através do relato de como quebrou seu braço nos convida a brincar com ela e a investigar pra onde seu avô foi que não levou suas coisas, nem sua câmera para mostrar as fotos quando voltasse, nem seu rinoceronte de estimação.

Danielly Ferreira

Clique aqui e confira a programação da Mostra Latino-americana 4 no Festival de Curtas 2013