O TAMBOR CHAMOU MUITAS – O tambor me chamou, de Marcio Cruz (SP)

por Nayla Guerra

“O tambor me chamou”. Assim Baby Amorim explica sua entrada para o Ilú Obá de Min. Ao lado de outras sete companheiras, ela traz o relato de sua relação com um dos blocos mais tradicionais do carnaval de São Paulo. Como uma colcha de retalhos, o curta dirigido por Márcio Cruz costura os depoimentos individuais para contar a história do coletivo.

Opta-se por fotografar as mulheres falando, tocando e dançando em vez de filmá-las. Assim, é na fragmentação visual que se constrói a fluidez da música e da dança. Para tanto, o movimento é evocado pelo som, responsável por tecer e sustentar a narrativa, colocando a textura das vozes, o relato e o batuque em primeiro plano, tal qual a proposta do Ilú Obá de Min, que recupera histórias silenciadas por meio da manifestação sonora da cultura afrobrasileira.

O bloco é um evento criado na relação entre a bateria e o público. Trata-se de uma experiência física, na qual os instrumentos tocam e a vibração do som é sentida na pele de quem assiste. Por isso, esta experiência não pode ser transposta para o audiovisual, que anula o aqui e agora, a presença física e material dos corpos. Pensando nisso, o uso de fotos, ao invés de vídeo, aparece como solução para a manutenção da relação entre a obra e o público. As imagens borradas e a montagem apenas sugerem o movimento, criado mentalmente pelas espectadoras. Desse modo, o curta consegue transpor não a experiência do evento, mas a dialética entre o bloco e as espectadoras.

A coletividade do Ilú Obá de Min é outro elemento ressaltado pela estrutura do filme. Em diversos momentos, há a transição da foto de uma mulher entrevistada sozinha para outra imagem com todas juntas. Isso é feito utilizando o recurso da sobreposição, que faz com que, por alguns segundos, vejamos as duas imagens simultaneamente, reforçando a ligação entre cada membra e o grupo. Além disso, a opção por fotos rompe com a sincronia entre imagem e som. Com isso, não sabemos se quem vemos é quem escutamos, o que retira os relatos do campo do sujeito único para a possibilidade da existência de múltiplas vivências correlatas.

Sem a pretensão de reproduzir e representar o Ilú Obá de Min em tela, o diretor opta por capturar um retrato e registrar relatos. Sabendo que alguns eventos não são os mesmos sem a presença física, é preciso criar outros tipos de relação, pois o bloco depende tanto da ligação entre público e bateria como da coletividade e da junção de fragmentos. É a partir do toque de cada instrumento que se forma a densidade sonora, a pulsão e a força do grupo. Assim, O tambor me chamou nos mostra que o tambor, na verdade, chamou muitas!

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