QUASE VIVA – Nervo Errante, de Bruno Badain
por Vera Sampaio
Atender ligação de chefe pode ser mais aterrorizante do que bater de frente com muito espírito por aí. Nervo Errante, de Bruno Badain, mostra o horror de um ataque de pânico motivado por um trabalho estressante e precarizado. A protagonista do filme é Valentina, uma ilustradora trabalhando home-office num quarto-e-sala minúsculo e mal iluminado, com milhares de objetos entulhados por todos os cantos, que acaba, de modo surrealista, perdendo a cabeça pela alta demanda de trabalho.
Para mostrar a ansiedade pela qual a protagonista passa ao longo da narrativa, o realizador articulou as cenas de Valentina trabalhando e se comunicando com o chefe com imagens de arquivo num ritmo frenético. É principalmente por meio da montagem que o filme consegue transmitir ao espectador a sensação de pânico pela qual Valentina está passando. De início, vemos imagens aceleradas que representam uma natureza selvagem que a invade, tomando seu corpo. São imagens e sons com grande potência de vida, como fungos, plantas, lesmas e formigas crescendo e se expandido. (Essas imagens dialogam também com o trabalho de Valentina, pois elementos como plantas e cogumelos são típicos de colagens e arte digital, logo é como se o seu trabalho realmente penetrasse na pele e ganhasse vida).
Em seguida, assistimos a filmagens de ratos e macacos presos em laboratório, frangos degolados e prontos pra serem distribuídos em escala. Essas cenas remetem à claustrofobia de uma vida aprisionada e a um trabalho extenuante no qual as pessoas submetidas a ele são desumanizadas e obrigadas a produzir como peças de uma indústria. Assim, essas cenas espelham a condição de Valentina e também a de muitos brasileiros nesses tempos de crises acumuladas e de extrema precarização do trabalho.
A forma de intercalar o som e o silêncio também confere a sensação de caos, nesse filme profundamente estético, que procura o tempo todo mexer com os sentidos do espectador. Os olhos esbugalhados de Valentina e os sons estridentes seguidos de momentos de silêncio nos permitem entrar na mente e no corpo da personagem e sentir sua agitação e exaustão. O toque de chamada do Skype, somado aos milhares de ruídos que se acumulam na tela e na mente de Valentina, nos incomoda, angustia e assombra. Até o avatar de Edney, chefe de Valentina, em close, na ligação, consegue ser realmente assustador. Valentina é desmembrada, seu corpo é torcido e retorcido, ao modo surrealista, inserindo o filme de vez no gênero fantástico.
O trabalho de Valentina gera ansiedade, o que a faz precisar de remédios. Pra conseguir esses remédios, ela precisa trabalhar. Quando o trabalho não paga os remédios, o que acontece? Ela perde a cabeça? Ou esta é decepada? Agora com a cabeça desmembrada do corpo, o zumbido da voz de Edney ecoa sem resposta pelas paredes do quarto escuro e cheio de coisas quase vivas: “Valentina?”.