Exemplos instigantes do audiovisual portenho
Já passa de uma década que o cinema argentino fortaleceu seu nome entre nós, servindo inclusive como um comparativo de qualidade. Roteiros fortes, temas diversificados e uma estrutura de produção aparentemente simples dão a tônica de boa parte do que vem de lá.
Na programação do festival, os curtas Noelia, dirigido por María Alché, e Pude ver um Puma (Pude ver un Puma), dirigido por Eduardo Williams, são exemplos instigantes do audiovisual portenho. Ambos trabalham com uma câmera frouxa, quase amadora, e vão construindo seu tema e intenção com retalhos editados que ganham força sempre que pensamos neles.
Noelia é estruturado por meio da personagem-título, registrando com uma câmera (na mão ou posta sobre algo) suas ações, com uma estética próxima à dos vídeos amadores postados na internet. Sua primeira tomada faz com que se pense assistir a um filme sobre a relação difícil entre mãe e filha, com as ações frias, e às vezes agressivas, de sua mãe camareira sendo captadas com cautela.
No entanto, os lugares mudam e vão surgindo várias “mães”. Cai-se em um jogo da personagem. O campo de visão limitado e a estranheza das ações fazem com que se tente sempre tomar uma posição sobre o que está acontecendo, questionando até a sanidade da moça. Mas, sempre que uma certeza parece se firmar, um elemento novo surge e faz rever o que pensamos.
Sem fechar a história, o curta apenas registra a estranheza – como bem representa o plano final, com o rosto da moça ensopado (por quê?) em primeiro plano, num lugar impossível de apreender, e por fim o escuro do apagar das luzes que serve de fundo para os créditos, sendo que a música é aparentemente tocada pela personagem.
Pude Ver Um Puma não é um filme fácil. Registra a esmo alguns grupos jovens que surgem caminhando sobre telhados e vão para ruas e espaços destroçados. Os diálogos são simples e entrecortados. Alguns planos são longos e a câmera não está fixa, o que aumenta o desconforto. Pontualmente, alguém cai ou há um acidente mudando o grupo na sequência seguinte.
O final inesperado reverte tudo, dando sentido a todas as ações anteriores. Temos aqui uma maneira engenhosa e barata de contar uma ficção científica apocalíptica e perturbadora, e que cresce cada vez que é lembrada.
Carlos Alberto Farias
Noelia e Pude ver um Puma estão na Mostra Latino-Americana 5.