Um sorvete caído no chão

O cineasta Carlos Reichenbach escreveu com entusiasmo em seu blog (leia aqui) sobre “Contagem”, quando de sua exibição no 43º Festival de Brasília, no ano passado. Mencionava Joseph H. Lewis, influência comum a Quentin Tarantino e a Gabriel Martins e Maurílio Martins, os diretores do filme, o que talvez tenha a ver com o desconcerto que provoca. A associação me veio à mente já durante a projeção, não só por conta do formato narrativo; talvez seja mais sobre esse desconcerto – esse “como assim?” – que é muito comum no momento em que se assiste aos filmes de Tarantino.

Todo esse preâmbulo para dizer que me parece bastante difícil falar sobre “Contagem”. É um filme de imagens muito belas; o que causa um enorme estranhamento conforme vamos destrinchando a narrativa um tanto… maquiavélica.

São planos fortes e, ao mesmo tempo, sujos, incompletos, sufocados – sensação que a pouquíssima profundidade de campo acirra em vários momentos, encerrados em cada movimento ou personagem, o que casa muito bem com a narrativa fragmentada entre três perspectivas ou impressões de um mesmo evento. Nenhum dos três protagonistas testemunhará ou entenderá esse momento em sua totalidade.

O espectador, no caso, é quem tem a experiência mais completa, e complexa, do que acontece ali. Mas isso não significa que chegaremos a um final propriamente dito. “Contagem” se interrompe e nos impede de chegar a uma conclusão fechada.

Saímos, talvez, mais exasperados do que a personagem que vive a “primeira versão” do filme. Se por um lado não se pode compreender totalmente essa exasperação (tanto a nossa quanto a da personagem), o que importa é a força e a vivacidade de imagens que poderiam ser inócuas – como o momento em que derruba um sorvete.

Talvez sejam elas que nos apreendam, e não o contrário: um mero sorvete caído no chão, e “Contagem” me ganhou. (Beatriz Macruz)

“Contagem” está na Mostra Brasil 2.

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