Uma pérola multicolorida
O sertão nordestino faz, de alguma forma, parte de nós. Do morador que ali vive sob o sol ardente ao mais urbanoide dos brasileiros, nos sentimos um pouco parte daquela realidade. Talvez pelas diversas apropriações já feitas, seja pelas pinceladas dos Retirantes, com os Miguilins das letras, com as imagens de um sertão que vira mar e um mar que vira sertão, ou com as melodias das asas brancas.
Dia Estrelado, pérola de estreia de Nara Normande, reúne essas e outras referências em um corpo único e original. Não por seu enredo, mas pela tradução estética do tema em uma belíssima animação stop motion. O roteiro é simples: uma família em busca da sobrevivência em um lugar pobre e árido. Tão seco que uma gota d’água vira pedra. Contrastam com essa “não-vida” as cores fortes e a textura do expressionismo de Van Gogh. O céu do cenário foi inspirado na obra Noite Estrelada e reproduz as grossas e largas pinceladas do artista.
Feita com massa de modelar, bonecos de arame articulados e muita paciência — quatro anos de trabalho –, a animação dialoga com todas as artes, e leva para o cinema esse drama sem um tom piegas. A realizadora pernambucana acerta a mão na poesia e no realismo, presente no piscar de olhos dos personagens, nos detalhes dos cabelos e na única flor que ainda tenta sobreviver. Uma metáfora do sertanejo, “antes de tudo, um forte”.
A perfeição técnica dos movimentos e da fotografia, trabalhada em conjunto com as mudanças de tonalidades da massinha, produz um efeito naturalista. No entanto, a diretora também deixa espaço para o humor e o lúdico, preenchendo essas vidas secas com uma graciosidade e uma paleta de cores infinitas.
Camila Fink
Dia Estrelado está na Mostra Brasil 1. Clique aqui e veja a programação do filme
As árvores e lágrimas que frutos e água por pedras são a visualização suprema da “Educação Pela Pedra” De João Cabral de melo Neto.
O sofrimento tentando manter a vida ( como as lágrimas que sustentam o único sinal de uma beleza “macia”, uma flor resistente ao clima árido).
Me pergunto qual a conclusão possível que o filme assume: Se por um lado a esperança, a afetividade, sobrevive, tendo a flor como símbolo, por outro, o animal de estimação de um irmão engolido por outro, que delira de fome, parece caminhar na direção oposta. No fim permanece a ambiguidade, no filme tal qual também ocorre na vida. Nesse caso, seca.
Corrigindo: As árvores e lágrimas que *substituem* frutos e água por pedras….
Obrigada pelo comentário, em especial pela referência ao João Cabral, Rafael. E devo dizer que concordo com a sua leitura da conclusão do filme, sobre a ambiguidade. Na minha opinião, é bem isso: a relação Morte e Vida convivendo juntas, como sempre.