Sobre sexo e poder
“Tudo nesse mundo é sobre sexo exceto sexo. Sexo é sobre poder”. A frase do célebre escritor britânico Oscar Wilde serve como perfeito epítome para o curta-metragem Sobre Chás e Vinhos, dirigido por Lucas Barão, que trata de relações sociais, afetivas e de poder. O filme nos apresenta a um grupo de personagens extraordinariamente complexos e bem desenvolvidos, fundamental nesse tipo de drama psicológico. O resultado atingido é oportunamente seco e até mesmo um pouco frio, sem nunca se exaltar ou esboçar algum sentimentalismo.
Luiza é contratada por Evandro, um recém cadeirante, para ser empregada doméstica em sua casa, onde passa a morar com seu filho, o garoto Francisco. Desse ponto em diante, o roteiro se constrói através de pequenas situações cotidianas que, por mais banais que pareçam na superfície, sempre escondem intenções mais elaboradas.
Outro elemento narrativo importante para a trama é o conspícuo desejo que Evandro nutre por Luiza e as implicações desse sentimento. Francisco tem déficit de atenção e sua mãe lhe educa em casa. Evandro, ao descobrir sobre a situação do garoto, coloca-o em um colégio particular. Por generosidade? Ou para plantar em Luiza o sentimento de estar em dívida com seu patrão? Esse jogo de possibilidades e interpretações se repete a cada cena. Evandro derruba um garfo; Luiza se adianta para pegar; o cadeirante, ofendido, após algum esforço, pega o garfo do chão.
Evandro precisa se exibir como macho, alfa e independente. Em seguida, ele derruba um guardanapo; Luiza não se move; dessa vez, Evandro a encara, em silêncio, até que a empregada se ajoelha e recolhe o objeto. Evandro precisa se exibir como patrão, como elemento dominante e lembrar Luiza de que o seu lugar é abaixo dele. Ou o recado transmitido é ainda mais cruel: o seu lugar é onde ele quiser. Malgrado momentos como este, a verdadeira intimidação vem por parte do único amigo de Evandro, que em suas visitas assedia a moça frequentemente, enquanto o anfitrião assiste calado, demonstrando sua impotência e até mesmo seu ciúmes. Mas qual é a relação dele com seu visitante? E por que, apesar de seu interesse em Luiza, ele permite as investidas abusivas do outro homem?
Mas apesar dessa relação passivamente opressora e da negligência de Evandro, a doméstica parece nutrir certo afeto por seu patrão, o que leva o espectador a novos questionamentos. Seria esse sentimento amor? Ou uma espécie de instinto maternal inspirado pela deficiência do homem? Ou apenas uma reação comportamentalista a generosidade de Evandro?
Após ver o filme percebi que o fruto mais saboroso que ele nos dá não é o do conhecimento, e sim o da incerteza. Aqui, nada podemos afirmar, já que o agoniante jogo de relações de poder – em que o predador se impõe e presa se resigna – proposto por Barão não se dedica em nenhum momento a nos oferecer respostas. Mas se por um lado nada é explícito, por outro, nada é gratuito ou deslocado. A ideia aqui é que o espectador indague-se sobre as motivações existentes por de trás de cada gesto, seja ele um convite para um inofensivo chá ou para tomar uma insinuante taça de vinho. A digestão é difícil, mas as reflexões profundamente necessárias.
Henrique Rodrigues Marques