Luz, sombras e imaginação
O prazer de ver um quadro antigo, daqueles clássicos, com figuras humanas posadas, vestidas com roupas claras, que nos permitem – quando paramos para contemplá-las – imaginar uma história ou contexto para elas. Esta sensação, de nos perguntarmos de onde vem as figuras pintadas, onde estão, porque estariam ali, como viviam, do que gostavam ou tinham medo…É um prazer visual que conquista e sugere, sem ser autoexplicativo. Assim é Carrossel (Merry-go-round), de Esther Löwe.
Fotografia contrastante, muito claro e escuro, remete às telas de Caravaggio. Um quadro sem data nem país identificado. Um universo sombrio onde duas crianças vivem, sem explicação do onde ou por quê. Simplesmente estão e dominam o espaço, uma espécie de sótão escuro e cheio de objetos sinistros. São crianças aparentemente abandonadas e sozinhas, cheias de sujeira, arranhões sem curativos e roupas antigas.
Além da própria imagem, a relação fraternal entre os dois pequenos – da irmã mais velha que brinca e é protetora do irmão mais novo – desperta tanto a atenção quanto o cenário e o jogo de luzes. Curiosidade e um certo frio na barriga surgem com o suspense presente a todo momento: o que acontecerá a seguir? Do que ou de quem eles se escondem? Alguém ou algum ser vai aparecer? Mesmo sem compreender a situação e de pouco ser revelado, uma coisa é certa: os sentimentos vividos pelos dois irmãos podem ser facilmente assimilados. Ansiedade, alegria, entusiasmo, medo. O espectador é jogado no meio desse relacionamento fraterno e fantástico.
Ouvi algumas recepções negativas ao filme, principalmente pela falta de uma explicação ou pela sensação que ele cria de que algo está para acontecer, mas não acontece, o que é decepcionante. Eu já vejo de outro jeito. Tudo pode ter acontecido ou ainda irá acontecer, como se nós tivéssemos tido a oportunidade de espiar um universo paralelo, ao qual não pertencemos, rico em detalhes e perdido no tempo e espaço, cheio de coisas para serem observadas e sentidas. Um quadro com figuras que deixam de ser estáticas por alguns minutos e te conduzem para um além quadro ainda por se construir, longe de qualquer desapontamento.
Raquel Arriola
Carrossel está na Mostra Internacional 4. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas