Breves anotações sobre o Panorama Paulista

chaplin sp

por Lígia Hsu –

O estado de São Paulo é a mola propulsora do país, correto? Essa visão simplista de um Brasil dependente de apenas um estado felizmente/infelizmente não se aplica à produção audiovisual.
A sessão Panorama Paulista 3, um pequeno recorte do que vem sendo produzido no estado de São Paulo, me fez levantar duas questões:

– Por que somos tão corretos?
– Por que temos medo de ousar?

Os sete filmes possuem ótimas premissas, vê-se claramente um cuidado na forma, na decupagem, nos enquadramentos, na fotografia, no geral são tecnicamente muito bons, mas queria ver mais, muito mais.

Barqueiro, de José Menezes e Lucas Justiniano, fotografado em PB, possui um rigor nos enquadramentos e boa técnica. Tem uma das melhores premissas de roteiro desta seleção de filmes: uma noite na vida de um motorista do serviço funerário especializado na remoção de crianças. O filme avança lentamente até chegar no cerne da questão e apenas nos minutos finais consegue provocar alguma emoção. Recentemente fui uma das “clientes” do Serviço Funerário Municipal de São Paulo e consegui identificar o vazio que aquele espaço provoca através dos planos do filme, a solidão, a frieza do lugar. Tudo isso é mostrado de maneira muito correta e em boa parte do filme minha expectativa era por alguma coisa que desestruturasse esse rigor.

Pequena Aldeia, de Priscilla Pomerantzeff e Luciana Nanci, fala sobre a Praça Roosevelt e começa bem através do olhar de um argentino que vive num grande apartamento da praça. Depois o filme se mantém afastado de seus personagens e a câmera os observa do alto, como se estivéssemos vendo através das janelas. O filme cumpre bem essa visão, através do enquadramento em plongée, seguindo de longe as vidas que povoam a praça.

Tempo é Morfina, de Kamilli Semenov e Rafael Queija, trabalho de conclusão de curso do projeto Instituto Querô de Santos, cumpre com rigor as diversas técnicas aprendidas no curso, mas acaba sendo apenas isso.

USP 7%, de Daniel Mello e Bruno Bocchini, documentário sobre o racismo na maior universidade do Brasil, consegue trazer a essência jornalística de seus realizadores para a linguagem cinematográfica. Mas a discussão, importantíssima diga-se de passagem, sobre o tema acaba sendo unilateral.

Chapa, de Fábio Montanari, é o mais correto de todos e com uma ótima premissa de roteiro: dois funcionários de uma lanchonete são despedidos e resolvem assaltar o estabelecimento no dia do primeiro jogo do Brasil na Copa do Mundo. Uma comédia leve, com ótimos atores. Existe a tentativa da crítica ao novo substituindo o antigo, mas tudo é superficial. Cumpre bem o papel de comédia. Sempre me questiono o porquê de não nos aproximarmos do modelo clássico de cinema norte-americano, afinal, tem funcionado para eles por tanto tempo. O filme se aproxima bem desse modelo e aí vejo a armadilha do negócio: o filme é redondinho, seria assimilado tranquilamente pelo nosso público “sessão da tarde”, mas por se tratar de um filme nacional eu fiquei na expectativa do improviso, da malemolência, do jeitinho brasileiro. Engraçado isso, ainda mais se tratando do filme com mais referências ao Brasil.

As exceções são Conversa, de Luciano Arturo Glavina, que em 8 minutos mostra o encontro de um homem e uma mulher através da poesia do uruguaio Mario Benedetti. Uma única locação, dois personagens, fotografia impecável de Walter Carvalho. E Chaplin SP, de Matias Vellutini, um divertido stop motion que transforma o eterno Chaplin em um personagem tipicamente paulistano. Esses dois filmes tecnicamente tão bons quanto os demais, ousaram na narrativa e assim, aos meus olhos, se destacaram nessa programação.

Todos os filmes de alguma maneira me instigaram a querer ver mais. Mais dessa técnica correta sendo subvertida, mais dos roteiros sendo aprofundados e principalmente mais ousadia em contar histórias do nosso estado de São Paulo.

Clique aqui e veja a programação da mostra Panorama Paulista 3

Janelas sem paisagens: sobre o cinema universitário

janelas

por Giovanni Rizzo –

Sempre é muito interessante para um estudante de cinema como eu acompanhar a mostra Cinema em Curso dentro do festival, ver o que jovens pensam e fazem do cinema. No programa 1, porém, penso que o resultado não foi dos mais satisfatórios e parto do filme Janelas para exemplificar o que concluí daquele conjunto de curtas e do cinema universitário ali representado.

Janelas é um curta-metragem experimental, no qual o protagonista, Marcello, comunica-se com o mundo através de sua janela. Todavia, quando ela apresenta um defeito desta fica sem saber o que fazer de sua vida. A metáfora é a mais clara possível e também opera apenas no plano superficial da obra: aqui o principal é mostrar toda sua “experimentação”. Embalado por uma trilha sonora constituída de Giuseppe Verdi, a voz do Google tradutor e Jorge Ben, a película de Raphael Calheiros está mais preocupada em mostrar seus exageros com a fotografia, utilizando uma iluminação verde e vermelha, um ritmo até certo ponto incomum, onde o eixo está sempre sendo quebrado, e uma direção que a todo instante tenta romper com o tradicional e o esperado.

E se coloco experimentação entre aspas é porque não se vê nada de novo neste curta. Pode-se encontrar este estilo de fotografia, edição e direção em um filme quase nada experimental, mas sim videoclípitico dos anos 90: Assassinos por Natureza, de Oliver Stone. Contudo, no longa americano as cores estranhas da luz e o estilo da mise-en-scène refletiam os sentimentos e anseios dos personagens; aqui, nem isso.

Janelas é um filme que de certa forma fetichiza sua técnica, o fim está nele mesmo e em todos os seus recursos gráficos e estéticos, e em nenhum momento leva em consideração a relação da obra com seu espectador, não esclarecendo as possíveis ideias que esses recursos poderiam conter. Dessa maneira, o filme encerra-se no seu próprio prazer em experimentar – uma masturbação técnica –, fechando-se em si apenas pelo prazer próprio.

De que adianta uma radicalização formal, ainda que tecnicamente correta, sem um embasamento teórico, e talvez aqui seja um dos grandes problemas. O filme não tem um conteúdo que sustente suas extravagâncias formais. A metáfora do mundo com uma experiência mediada é atual e necessária, mas mal abordada, pois o curta trata seu conteúdo com superficialidade: não inclui novos pontos na discussão e tece uma metáfora simples e de fácil compreensão, que se esgota rapidamente.

Aqui poderíamos falar dos demais filmes do Cinema em Curso 1: Look Fashion Filme, Banzo ou Debaixo das Cerejeiras: todos dizem muito pouco, não são filmes que o espectador sai instigado a respeito dos questionamentos levantados na sala de cinema, ainda que possa ficar espantado com a qualidade técnica dos filmes universitários. Mas será mesmo que isso basta?

E verdade seja dita, há um intrigante curta no programa: Pequeno Objeto A, mas de vez em quando deve-se escancarar o que não funciona tão bem, para que essa produção seja discutida e sempre melhorada, já que o cinema em curso é uma amostra do futuro do audiovisual brasileiro. O que parece é que nas escolas de cinema, principalmente em São Paulo (digo isso pois faço parte de uma), há várias câmeras nas mãos dos novatos diretores, mas poucas ideias na cabeça.

Janelas está na mostra Cinema em Curso 1. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2015

Pequena Aldeia: A Praça Roosevelt em disputa

pequena aldeia

por Adriana Gaeta Braga –

O começo do curta Pequena Aldeia já nos dá uma ideia do que será o filme: um argentino narra sua relação com a cidade e com o país. O “olhar do estrangeiro” é menos um estranhamento do que é visto e mais um saudável afastamento brestianiano das mazelas da cidade e de suas personagens.

Com imagens em plonglée (ou seja, sempre vistas de cima para baixo), enquadramento que também reforça o nosso olhar de espectador, aos poucos vamos nos (re)conhecendo nestas pessoas que passam anônimas pela nossa câmera/janela.

A praça Roosevelt talvez seja um dos símbolos mais representativos da “nova” cidade que está sendo almejada. Sua construção foi demorada e controversa, entrando em choque com diversos interesses econômicos, sociais e imobiliários. Antes, uma região desprezada, a Roosevelt se tornou símbolo da reinvenção urbana em uma cidade que empurra para fora de seus espaços públicos o cidadão comum.

Praça que em seu projeto original abrigaria uma floricultura e quiosques para uso comum, a Roosevelt tem, em vez disso, a estrutura ocupada pela Guarda Civil Metropolitana. No curta esses conflitos são expostos, escancarados pelo flagrante de uso do espaço público pelas diferentes tribos que ocupam a praça. Skatistas disputam lugar com os idosos. Coletores de papel são vigiados de perto pela polícia, além de “noias” pelos cantos e também os bêbados restantes da noitada nos bares do entorno.

De certa forma, a praça neste curta representa, em seu microcosmos, tudo o que São Paulo vive e é. A Rooselvelt se tornou um lugar único: praça sem árvores, praça sem sombras, praça ícone do mais árido e cimentado da cidade, a praça só pode realmente merecer este nome pela riqueza das personagens urbanas que nela desfilam e convivem, muitas vezes em pé de guerra. A Roosevelt é uma praça tão mutante como as fases da lua, onde fincar seu lugar “é um pequeno passo para o homem, mas um grande passo para a humanidade”. Espaço de repouso e luta, lugar de encontro e solidão. Lugar de eclipses diários e de supernovas possíveis.

Pequena Aldeia desperta esses sentimentos contraditórios em relação à nossa paisagem paulistana. Em um momento onde o “repensar” da ocupação e do uso do espaço público está tão em alta na cidade (ciclofaixas, fechamento da Paulista aos domingos, minhocão em festa), assistir a esse curta torna-se uma experiência mais que sociológica. Diria mesmo, que nesses tempos de extremismos de polaridades, se torna uma experiência necessária.

Pequena Aldeia está no Panorama Paulista 4. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2015