O sujeito e a indiferença
Adolfo, cinquentão, robusto e mal acabado. A filha sofre doente na casa da mãe e ele está impedido de vê-la. Precisa pagar a pensão atrasada da menina, mas o curto salário que ganha como operário só chega no início do mês seguinte. A senhoria lhe cobra o aluguel de um quarto precário no centro da cidade. Ela ameaça expulsá-lo.
Eis que nos aproximamos do sujeito que, diariamente, dá com a cara no cimento. Um sofrido retrato do operário civil – um homem ordinário e desgraçado, cujo ambiente moderno deu conta de transformá-lo em adereço de sua paisagem. Não mais um indivíduo, apenas uma fonte de força e capacidade de trabalho.
Não à toa, De Cara no Cimento (De Cara al Cemento), título dessa produção chilena do estreante Ignácio Pavéz, remete ao tema de uma obra de Charles Baudelaire, intitulada A Perda da Auréola.
Em Baudelaire temos o poeta que vê sua aura artística, fundada na individualidade, se perder em meio a um lamaçal de macadame – símbolo máximo do progresso e da modernização do espaço urbano. No curta de Pavéz o macadame dá lugar ao cimento das construções onde Adolfo trabalha. É ali que nosso protagonista vê sua individualidade desaparecer dia após dia, dando lugar a prédios e muros de concreto.
A perda da individualidade aqui, porém, não passa de subtexto – algo implícito à narrativa. É o tema do curta, por outro lado, que dá conta de narrar um homem inserido num espaço urbano kafkiano, repleto de burocracias e teias sociais que o impedem de levar uma vida digna e plena. Tal fato é bem ilustrado na sequência em que Adolfo acaba de receber seu pagamento, mas uma série de eventos impede que o dinheiro chegue aos cuidados de sua filha.
De Cara no Cimento se destaca em meio a alguns de seus pares latinos principalmente pela dedicação de seu realizador no que concerne ao desenvolvimento da narrativa. Ao longo de seus 24 minutos o curta se preocupa em aproximar o espectador de seu protagonista através de cenas que refletem um sujeito desgastado pela indiferença do universo à sua volta. Tanto mais, a atuação do ótimo Daniel Antivilo fortalece essa relação de empatia gerada no público.
De grande valor social ao sugerir o cenário urbano como um espaço de descaso e indiferença, e tocante ao retratar um homem incapacitado de cuidar da própria filha, De Cara no Cimento representa uma ótima estreia de Ignácio Pávez à frente de um curta-metragem.
Matheus Rego