Cordilheira de Amora II: inventar para sobreviver

cordilheira de amora II

por Adriana Gaeta –

Cordilheira de Amora II é um filme sobre a reinvenção. Na vila indígena de Amambai, no Mato Grosso do Sul, vive a menina Guarani Kaiowá Carine Martines. Menina brilhante, Carine, seu primo e seus amigos imaginários criam um mundo próprio que nos leva, além de qualquer possibilidade material, para um lugar mais interessante e melhor.

Quintal metáfora do mundo, Carine, a pequena inventora, faz da escassez de brinquedos sua riqueza. Munida de tijolos, de restos de móveis e lixo, a menina cria sua casa própria, motivo de tanto orgulho quanto o de nós adultos quando conseguimos realizar o sonho de ter um teto para chamar de nosso. Pequena brincante, Carine não vai para Marte ou faz alusão à universos estranhos. Ela debruça toda a sua capacidade criativa sobre o mundo real dos adultos. Replicando o seu mundo, ela nos conta um pouco mais sobre ele. E o mundo dos adultos visto por nossa indiazinha é o mundo urbano: salão de beleza, computador, shoppings e pontos de ônibus. O conto de fadas é o europeu: Chapeuzinho Vermelho e Os Três Porquinhos. E é desse registro que o curta nos coloca nesta relação de identificação/estranhamento, dessa menina que vive dia a dia a perda de sua cultura original.

Para entendermos melhor a força do curta, temos que lembrar que os Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul vivem um cotidiano de guerra civil. Nos últimos dez anos, as degradantes condições de vida e o confronto entre índios e grandes proprietários de terra se tornaram tão dramáticas que a taxa de assassinatos de Kaiowás, ultrapassa qualquer estatística de países em guerra e é 495% maior que a média brasileira. A cada seis dias, um jovem Kaiowá Guarani se suicida. E esse são dados oficiais.

A Cordilheira/ Xanadu é logo ali. A redenção possível também. Carine não precisa ir muito longe porque sabe intuitivamente que toda a riqueza que precisa está dentro de si. Uma criança/personagem de uma nobreza e força que nós espectadores torcemos para que nunca se perca. Seu “filme invisível” já está sendo feito, é este curta que assistimos. Sua mensagem está sendo dada e nós espectadores, também se tivermos sorte, teremos lugar em seu coração e seremos seus amigos invisíveis, torcendo para que o mundo lúdico de Carine jamais se perca na mediocridade da vida ordinária.

Em um lugar onde resta aos Guarani Kaiowá trabalhar na lavoura de cana ou ser mendigo, o futuro é um não ser aquilo que se é. Assim, dentro de uma realidade tão dura, o escapismo infantil de Carine talvez signifique mais que um brinquedo, talvez também seja uma estratégia de sobrevivência.

Cordilheira de Amora II está na Mostra Brasil Infantil e Infanto-Juvenil. Clique aqui para ver a programação do filme no Festival de Curtas 2015

O menino, o velho e a árvore: um faroeste moderno

arapuca

“Sobre uma árvore” como descreve a sinopse. E de fato é mesmo, mas não apenas sobre uma árvore. Arapuca escrito e dirigido por Hélio Vilella é um daqueles filmes que você quer ver sempre e pra sempre sem cansar de assistir. O filme é marcado por planos abertos e algumas sequências no maior estilo faroeste, poucas falas e personagens carismáticos. Além de uma fotografia sensacional.

Começa com uma sequência belíssima de cenas onde um garoto come uma fruta, enterra a semente e urina em cima dela; há uma passagem rápida de tempo, a árvore já está grande, cheia de novos frutos, e voltamos ao jato de urina, mas agora o menino já é um senhor. A sequência anuncia uma forte relação dessa personagem com a árvore, eles cresceram juntos, apenas os dois. Só essa sequência já é digna de subirem os créditos e receber aplausos, mas o filme consegue nos cativar ainda mais com a chegada do menino que perde sua pipa perto da árvore e resolve subir nela pra pegar uma fruta. O velho, muito incomodado com a presença de outra pessoa perto de sua árvore, expulsa o menino que vai embora, mas volta.

A partir dai o velho vai tentando afastar o menino da árvore, como se fosse um pássaro que estivesse lá para destruir o que ele cuidou todos esses anos. O velho inclusive coloca um espantalho a fim de afugentar o garoto que, com a inocência de criança, leva tudo aquilo como uma brincadeira – ao mesmo tempo que quer irritar, quer se aproximar do velho.

O primeiro confronto entre os dois remete aos clássicos westerns americanos, o plano aberto com a sombra dos dois em meio a paisagem, um de frente para o outro mantendo uma certa distancia, passando para um plano aproximado de cada um e finalmente a troca de olhares à Clint Eastwood.

E assim um vai criando armadilhas para o outro. O ator mirim, muito expressivo, consegue fazer rir com as respostas que dá ao velho, às vezes passando a impressão de ser mais maduro que o próprio senhor, sabendo reconhecer quando ele tem que pedir desculpas.

No desfecho da história o velho acaba como começou – sozinho –, com a sensação de ter vencido o menino na brincadeira, só que dessa vez sem sua companheira a árvore.

Curta mais maduro em relação ao curta anterior de Hélio, A Mula Teimosa e o Controle Remoto, com grande potencial pra desenvolver um belo longa investindo nessa temática, leve, minimalista e delicada. Fica de minha parte um gostinho de quero mais.

Danielly Ferreira

Arapuca está no Panorama Paulista 4. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2013