O que fazer com essa tal liberdade?
Dentre as sessões especiais do 24º Festival Internacional de Curtas, a Tomada Única foi provavelmente a que mais instigou o público, lotando a sala de exibição do MIS no último sábado à noite. Feita em parceria com o Festival Curta 8 de Curitiba, ela se constituiu da seguinte forma: oito artistas, cineastas e artistas plásticos, receberam o convite para filmar um curta de três minutos cada um em formato Super-8. Mas se a liberdade artística foi total, os participantes encontraram a limitação de não editar o vídeo em pós-produção. Ou seja, os cortes precisavam ser feitos na própria câmera e não existia a possibilidade de voltar um plano. Se a descrição do exercício parece complicada, os variados resultados obtidos pelo grupo fazem parecer um passeio no parque. Ou melhor, parque não. Num jardim das delícias de dar inveja a Bosch.
Iniciamos a deliciosa jornada com Lagoa Remix, um bem-humorado manifesto dirigido por Leonardo Mouramateus. O vídeo mistura imagens de banhistas que dançam, brincam e fazem graça para a câmera numa lagoa ocupada em Fortaleza, enquanto o áudio, no melhor estilo “carro da pamonha”, nos presenteia com um ácido remix, indo do funk ao eletrônico, mas sem antes esquecer de passar pelo apresentador Datena que indaga “Isso é manifestante? Isso ai é vandalismo”.
A crítica política e a ocupação do espaço urbano também foram temas de Amor e Outras Construções ou Uma Boca/Que Abarcasse/Tanto Cu, de Gustavo Vinagre, no qual três homens invadem prédios em construção para fazer sexo. Com ares de pornô terrorista e uma divertida direção de arte (blusão com estampa de personagens Disney, máscaras de morte), a obra protesta contra a construção desses projetos arquitetônicos comerciais e as consequências que causam no espaço urbano.
A cidade e o sexo também se encontram em Falos e Badalos, de Anita Rocha da Silveira, que registra a cômica fixação de uma garota pelos monumentos fálicos da cidade do Rio de Janeiro. O Sangue de Jesus tem Dendê, de Daniel Lisboa, brinca com a iconoclastia de símbolos religiosos, mas com muita elegância e sublime beleza. A serena movimentação, tanto da câmera quanto dos personagens, causam um efeito hipnotizante no espectador, uma curiosa sensação de paz.
Paz que Karen Black busca em seu Delete Deleite. Cansada dos excessos tecnológicos do cotidiano, a artista se revolta e troca seu pequeno quadrado de concreto por uma praia paradisíaca, onde finalmente encontra sua vingança num catártico ritual, onde a agressividade dos gestos contrastam com a leveza de sua nudez. Nesse reencontro com raízes primitivas, surge a liberdade.
E é essa a questão que cria um ponto de intersecção entre os oito curtas: o que fazemos da nossa liberdade? Como ressalta a diretora do festival, Zita Carvalhosa, a escolha pelo formato Super-8 transcende a simples nostalgia e o inegável charme estético: “nos anos 70 o Super-8 representava a liberdade de ter uma câmera na mão e fazer o que você quisesse. Hoje em dia todo mundo tem um celular para a fazer o que quiser”. E no atual contexto político do país, após a onda de manifestações que ocorreu neste ano, essa reflexão se torna ainda mais necessária, tanto em relação à utilização desses aparelhos eletrônicos quanto nas maneiras de se exercer o próprio ato de protesto.
Um momento de Lagoa Remix resume o que o projeto apresenta de melhor. “Essa prefeita não presta, eu que tô falando” diz a voz em off que, momentos depois, volta para declarar “esse mergulho é pra você, prefeita!”. Esses oito artistas, a exemplo da personagem citada, mergulham, festejam e brincam pra demonstrar o seu descontentamento. É crítico e reflexivo, mas também é bem humorado e prazeroso, sem nunca perder a fé no poder poético e provocador da imagem. O que acontece na tela é assim… um desbunde!
Henrique Rodrigues Marques