A identidade no outro
Em Menino Peixe a diretora Eva Randolph retoma alguns pontos já trabalhados em seu curta Dez Elefantes (2008): família comandada pela figura matriarcal, relação de cumplicidade e embate entre irmãos.
No novo curta as figuras femininas são centrais, nos papéis da mãe grávida e da filha pequena. O homem está sempre por vir, seja o bebê que a mãe espera e o pai trabalhador em uma plataforma em algum lugar do oceano. A aguá, aliás, possui importância capital na narrativa como aquela que acolhe as figuras masculinas e as mantém longe do convívio familiar – o filho dentro da barriga, o homem no trabalho rodeado pelo mar.
No início do curta, a mãe conta para a filha que no princípio todos éramos peixe, até que se tornaram como são hoje em dia, o bebê em seu ventre é um peixe que nada em seu líquido. É o bastante para que a menina comece a divagar sobre a identidade do novo membro da família, o rosto daquele que vem dividir com ela as atenções da figura protetora e que pela proximidade do parto recebe cada vez mais atenção.
Novamente o mar aparece como figura preponderante. Em seus sonhos a menina se imagina na praia à noite, no breu, com o mar revolto, e seu irmão, da mesma idade que ela, se revela um menino-peixe, cheio de escamas. A relação a princípio é tão tensa quanto o mar, não se entendem, brigam. A diretora, como em seu primeiro curta, se vale de maneira muito feliz do artifício do esconde-esconde, brincadeira favorita infantil, para revelar o jogo de achar no outro sua identidade, de encontrar eco. A brincadeira no escuro, no espaço violento de ondas quebrando vai se tornando mais intensa ao longo da narrativa, conforme o parto vai se aproximando cada vez mais, assim como o ciúmes da menina em relação à mãe.
Eva consegue de maneira satisfatória criar um paralelo simbólico entre vida e a água, através do mar, bravio, misterioso, forte, imenso, como potência de criação e nascimento e através das cenas nas quais a filha aparece nadando na água represada e calma das piscinas, recurso artificial que não possui a mesma força do oceano, um simulacro apenas, como desejo da menina em retornar ao útero materno.
A cena final amarra de maneira muito interessante este jogo de procurar a si mesmo, a construção de identidade no outro. Após a ida da mãe abruptamente para o hospital e a chegada atrasada do pai para o parto corta para a mãe dormindo calmamente numa cama na praia onde os irmãos se encontram à noite, o mar furioso, mas a figura materna está lá calma e adormecida, os dois sempre no breu, sempre apenas contornos. Possuem lanternas, o garoto aponta sua lanterna para o rosto da irmã, ela se ilumina e aparece finalmente na escuridão. Ela sorri.
Malu Andrade
Menino Peixe está na Mostra Brasil 7. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2013