O arquipélago: um retrato pelo espelho
por Rodrigo Faustini –
Neste ano me encontro numa participação diferente no Kinoforum – encarando as críticas pela segunda vez e, também, tendo feito um trabalho de curadoria para uma sessão do “Programação em Curso” do festival, para minha universidade. Assim, chego ao festival já tendo visto a maioria dos curtas, ainda que comprimidos – aliás, a compressão digital (das versões que tive acesso dos filmes) apena acentuou um macabro clima de mesmice no atual curta-metragem brasileiro; difícil manter a atenção a cada vez que surge na tela mais um retrato mal formulado de um adolescente de classe média, um flerte com o cinema de gênero (que nunca chega…) ou a megalópole de lamentações sobre o “urbano”.
Não foi por acaso, então, que preferi começar minha escrita aqui por uma mostra paralela, “O realizador e seu tempo” – escolha fortuita, pois nela se encontram idiossincrasias que se destacam no festival, alguns pontos fora da reta – filmes longos demais para os padrões de inscrição, ou que não se adequavam por um motivo ou outro em outras mostras. Como o nome pela sessão indica, haveriam concepções de tempo narrativo interessantes ali.
O recorte certamente influenciou a recepção das obras – num dos momentos mais interessantes, uma boa parte da platéia aplaudiu o filme O arquipélago, de Gustavo Beck, antes mesmo que seu título aparecesse na tela, supondo que o filme havia acabado (o título só chega pela metade do filme); o filme reivindicava ali seu próprio tempo.
Um curta (média?) que abre com um grande prólogo, um monólogo intimista com um ser com o qual temos muita pouca intimidade, uma imagem numa tela que parece declarar algo a si mesma, embora fale para a câmera. Era difícil entender suas palavras, seu conflito, e mesmo em seguida o filme fazia poucas concessões: apresentava momentos cotidianos de uma família, como a espera de ônibus de uma mãe com seu filho; ficamos a olhar o carinho de um pelo outro (e o cofrinho do garoto), num plano parado. Não me lembro se o ônibus chegava ou não, mas a espera era ansiosa.
Ao invés de deixar o filme a esmo, a quase independência de cada momento, retratado em longos planos, criava micronarrativas, ilhéus. E dentre os recentes ensaios sobre o urbano, O arquipélago se destaca por se focar na paisagem emocional e humana que nela habita, isolada: no que me soou como uma releitura muito interessante de Zoo (de Burt Haanstra, 1961), o filme encerra-se num zoológico, onde ficamos a observar animais que, sem consciência disso, atuam para a câmera e a plateia (e para os próprios personagens). O que fascina na observação dessas vidas, mundanas e restringidas pela própria maneira com a qual os vemos? Suas semelhanças com nós mesmos, talvez – quando a câmera é estática e o enquadramento frontal, seus retratos assemelham-se aos de um espelho.