Anfíbio: filmar o momento exato
Armando Manoel –
Quando fazer um curta? Qual o melhor momento para se contar uma pequena anedota audiovisual? Que tipo de histórias serve ao curto espaço de alguns minutos? As perguntas não são literais, no sentido do tempo da produção, das intenções e da disponibilidade da equipe, ou, mais especificamente, da execução dum projeto qualquer. Proponho tais questionamentos para refletir sobre qual seria o momento exato a ser retratado num filme, como encontrar esse momento, como percebê-lo e, como representá-lo num curto intervalo de tempo? E, sobretudo, existe um momento exato para um filme?
Anfíbio, de Héctor Silva Núñez, nos ajuda a pensar sobre. Este conto sobre a viololência invisível e cotidiana nos apresenta 15 minutos de um drama familiar que se desenrola nos povoados de Santa Rosa de Agua e Capitán Chico, em Maracaibo, Venezuela. Ali, às margens de um grande lago, entre o mangue e o lixo, conhecemos o jovem Jesús procurando emprego para seu irmão mais velho José, que acaba de ser fichado pela polícia. O pai dos jovens exige que José arrume um emprego como condição para que ele continue vivendo sob o teto familiar que mantêm como pescador.
A atmosfera do filme é de preocupação. Essencialmente a preocupação de Jesús em relação a seu irmão. José parece muitas vezes já ter escolhido seu caminho, conversas e atitudes suspeitas marcam seu personagem. A Jesús só cabe tentar entender o que se passa. Investiga e acompanha o irmão mais velho, mas não parece compreender a dura realidade que os cerca. José sempre tem dinheiro e anda com telefone celular em meio a pobreza lacustre.
O vento sopra forte o filme todo, durante os dias e as noites. Parece uma mera condição geográfica, uma brisa tropical típica da região, mas é o incessante vento das mudanças. O pai dos garotos dá um ultimato a José: já que não há meios de encontrar trabalho, no dia seguinte, ele deve acompanhar o velho na pescaria, ou então, partir.
A tartaruga de estimação de Jesús escapa de seu pequeno recinto. José não aparece na hora marcada e arruma suas malas, Jesús tenta dissuadir o irmão da ideia. Não há como. A partida é inevitável. A melancolia se faz presente e acaba por justificar porque Jesús não poderá mais olhar com os mesmos olhos o ambiente anfíbio que o cerca.
Sem querer a vida segue. Muito talvez tenha mudado para Jesús, pouco, ou quase nada se altera naquele cotidiano marcado pelas muitas garrafas PET à deriva, e pela violência invisível que molda os homens do mangue. Héctor Silva Núñez apresenta com maestria o que gosto de chamar de eficácia de um curta-metragem. Ou seja, a capacidade de um curta de nos atingir intimamente e provocar os sentimentos e a reflexão sobre o mundo e a vida. Pensando na dualidade forma e conteúdo, Anfíbio responde bem a questão do momento exato demonstrando que experiências breves em termos temporais, mas sobretudo embuídas de particular sentido e valores simbólicos resolvem muito bem aos desafios do formato proposto e servem muito bem a um curta metragem.
Anfíbio foi filmado nas comunidades retratadas e conta com Jesús Manuel García,13 anos, e Franklin González, 20 anos, nos papéis principais. Ambos são naturais do local e não tinham experiência prévia como atores. O curta foi escolhido para a Sessão Cinéfondation no Festival de Cannes de 2015, sendo assim a primeira obra venezuelana a figurar nos 15 anos de existência da sessão – conhecida por revelar novos talentos da cinematografia mundial.
Anfíbio está na Mostra Latino-americana. Clique aqui e veja a programação do Festival de Curtas 2015