TORRE

A ausência e a presença

 

“Torre”, exibido na Mostra Brasil 4, é um retrato poético da memória de quatro irmãos que tiveram sua vida quebrada em pedaços com o desaparecimento de seu pai. Virgílio Gomes da Silva foi o primeiro de muitos desaparecidos políticos da ditadura militar brasileira de 1964.

A diretora Nádia Mangolini coloca em cores e movimentos o que poderia ser simplesmente uma história esquecida, apagada ou invisibilizada. Ao invés de investigar diretamente a vida de Virgílio por meio de documentos e outros procedimentos da historiografia, ela decide contar, por meio de sentimentos, a relação deles com o pai, quais foram as sensações e lembranças daquela época.

Começa-se sem saber direito quem são aquelas crianças, quantas são; há apenas um pequeno vão no qual um sujeito indeterminado olha para quatro crianças na rua. Conforme a narrativa vai crescendo, tudo ganha cores e novas técnicas de animação a partir do que começou somente com o lápis branco e preto em cima de uma folha meio amarelada. Sons abstratos vão se misturando a novas cores, figuras e redefinições.

O curta inteiro é a voz dos irmãos (um de cada vez) contando essa história. A criança mais nova é a primeira a contar seu relato, e fica-se meio perdido, sem saber direito o que acontece. Até chegar no último irmão, em que as várias ilustrações dão lugar ao rosto do pai, sendo pincelado por laranja e vermelho. O roteiro de Gustavo Vinagre foi delicadamente estruturado para ir nos situando aos poucos, em meio aos relatos dos filhos, até chegarmos à face do pai.

“…marcava mais a ausência do que a presença dele [do pai]. ”

O grande símbolo da obra é o afeto. Sempre temos a figura da criança no colo, mesmo em meio a toda essa história trágica e desumana que foi o desaparecimento do pai. Aqui, a diretora evoca o carinho dessa família. As entrevistas têm um tom de tristeza, do que foi cicatrizado pelo tempo. As imagens, cores e ilustrações reconstituem as dores e os fantasmas ainda presentes nos irmãos, mas também as alegrias e o carinho pelo pai.

Somos postos diante a imagem do sentimento, abstrato e subjetivo como essa qualidade (ou não) do ser humano é. Cenas lindas e poéticas como uma máquina cortando cabelo que ia apagando, ele também, um cadarço amarrado ao pé de uma mesa, são construções poéticas que trazem tons surrealistas a esse drama tão triste.

Os relatos começam sempre no vestígio. Assim como um dos filhos, Gregório, diz “detalhes daquele mosaico que vou montando, que é meu pai”, vamos montando nossa percepção e sensação do que estamos vendo na tela do cinema.

O tempo inteiro temos a visão de uma torre, somos espremidos nesse local apertado que é como foi o processo de conviver com a perda do pai, como diz Vlademir: “processo de matar ele [o pai] dentro dele mesmo”.

(Guilherme Franco)

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