Um cinema de velhinhos

geru

por Artur Ivo –

É interessante como muitos curtas estão bem ligados à família e as vertentes mais exploradas são crianças/adolescentes e idosos; os idosos se destacam bastante, acho eu que seja por causa de sua apatia e simplicidade – é mais fácil fazer um curta com eles, e também por causa que idosos sempre tem algo para dizer. O espectador muitas vezes aparece como um confidente deles, alguém que está lá só para ouvir seus problemas e suas histórias, como um terapeuta ou um Eduardo Coutinho. Suas experiências e seu relatos são muitas vezes exagerados e os idosos acabam quase endeusados, imaculados, “os sábios idosos que poucos ouvem, vou fazer ouvi-los através do meu curta”.

No entanto, alguns realizadores conseguem captar seus idosos de forma muito legal, frequentemente reinventando a câmera e seu papel no filme, colocando-a dentro da cena, sempre percebida pelo seu personagem mais sábio, e principal, claro. E o cineasta, em todos os casos (mesmo naqueles que não reinventa a câmera), pauta seu protagonista em ações familiares, comuns para todos – por exemplo o jantar de família, a foto de família, a visita ao seu avô, o que contribui para o espectador não se perder quando a câmera muda de lugar ou quando alguma situação inusitada aparece em cena.

Como reinvenção do papel da câmera destaco dois curtas: Geru e Vailamideus. Ambos usam sua câmera dentro da cena e são disfarçados de documentário: o personagem principal não sai do quadro, percebe a câmera e interage com ela. Essa permanência dos idosos no quadro faz com que eles fiquem cheios de carisma para com a plateia, ao contrário de seus familiares. Enquanto estes andam, se movem e falam num ritmo frenético, os dois protagonistas são mudos, pouco expressivos, e esse carisma, esse contraste e essa permanência na tela os deixam interessantes.

Apesar dos curtas serem quase idênticos em relação aos papéis e ações dos seus personagens, considerando o plano de imagem são quase opostos. Em Geru, seu personagem é seguido enquanto anda por aí, arrasta cadeiras e almoça, até uma hora em que ele encontra a câmera face a face. A partir daí o filme se torna todo subjetivo, não vemos mais o velhinho, mas vemos o que ele vê. Por outro lado, Vailamideus só tem um plano – o filme inteiro a anciã fica sentada, com sua família tirando fotos com ela, ninguém olha pra ela, ela não fala nada, não se move, não faz gesto algum, mas mesmo assim ela é interessante e a plateia entende seus sentimentos, inclusive os compartilha.

Mas por que será que se fazem tantos filmes de idosos? Parece um tema interessante, familiar
e ao mesmo tempo esquecido dos grandes centros de cultura – eu mesmo consigo listar poucas peças e livros sobre o tema, e filmes também. Entretanto parece um tema comum em curtas brasileiros, pois além desses dois também assisti a A que deve a honra da ilustre visita este simples marquês? e Pausas Silenciosas, todos com algum traço de documentário e com idosos como personagens principais. Fico pensando também se não seria um modo de
conseguir história mais fácil, ainda mais para um documentário – nesse sentido lembro de O Gaivota, um curta brasileiro que passou no Anima Mundi desse ano que também falava sobre velhice.

De qualquer forma posso destacar que mesmo que os cineastas utilizem o tema idoso eles não se privam apenas na construção de documentários com suas histórias e memórias. Dos filmes que citei aqui, três deles são focados nisso, já os outros dois (que foram os que mais analisei) tentam pensar na vida do idoso e na sua expressão, além de conseguirem criar novas formas da câmera para isso.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *