Quito: os conflitos e dúvidas da adolescência

quito

por Beatriz Modenese –

Caracterizada por ser um período de transição, a adolescência é uma fase da vida composta por conflitos e dúvidas. Quito, de Rui Calvo, é um retrato extremamente fiel e simples das agonias e delícias de ser um adolescente.

O garoto, que dá nome ao curta, pela primeira vez depara-se com uma certa liberdade, e com essa, a responsabilidade em suas escolhas. A dificuldade de escolher um curso de graduação, as dúvidas em relação ao que se quer ser no futuro – quando não se há a mínima ideia. Quito, que vai de bicicleta à escola, busca agora dinheiro para conseguir tirar sua habilitação. Sente-se inferior ao amigo que dirige, que nem carta possui. Como ele mesmo diz em certa cena, sente “inveja”. A competição está sempre implícita nas relações não apenas jovens, mas acredito eu que em qualquer fase da vida.

A narrativa também encontra caminho para outro tema: os desentendimentos entre pais e filhos. As ideias não se encontram, e quando mãe e filho se desentendem em relação à habilitação (enquanto ele quer tirá-la, a mãe contrapõe: “a gente nem tem carro”), tudo toma proporções maiores (“não preciso mais pagar seu vestibular então”, “seja homem e venha aqui olhar na minha cara”). Quito é um personagem padrão: 18 anos, preocupado com sua imagem, apresenta conflitos de personalidade, sexualidade, superioridade, familiares. Acredito que a identificação do espectador nas personagens é parte importante, já que em mínimos detalhes, este objetivo é atingido. Por exemplo, numa cena na qual um funk conhecido toca, ou as “brincadeiras” feitas na escola.

A narrativa é leve e o tema comum. A temática adolescência é explorada de forma pouco aprofundada. O espectador busca durante todo o enredo um clímax, um turning point. Mas quando vê, acaba. Final esse que não carrega qualquer resolução aos conflitos do garoto, e a conclusão que levamos é a mesma que temos, ao viver: problemas sempre haverão (“E ai?” “E ai o quê?” “É isso, ué”).

Quito é a prazerosa tradução de uma tendência contemporânea do cinema brasileiro, que volta-se cada vez mais ao público jovem; público este que está sempre em busca, principalmente através da arte, de desmistificar suas agonias e dúvidas em relação à vida.

Quito está na mostra Panorama Paulista 2. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

Kyota e sua sabedoria precoce

kyota

por Letícia Fudissaku –

ATENÇÃO: ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS

Em meio às intensas tramas presentes na Mostra Internacional 4, o curta Kyota – O Pequeno Entregador foi como uma brisa de ar fresco. Com uma trilha tipicamente japonesa, o curta já dita seu ritmo leve e agradável. Kyota é um garotinho sagaz e carismático em sua excentricidade. Por se tratar de uma sequência, não há muito tempo para apresentar o personagem – o que não chega a incomodar, porque assim o conhecemos melhor conforme a história se desenrola. Além disso, o incidente incitante da narrativa é novidade tanto pra nós quanto para Kyota: uma pequena recém-chegada em seu bairro.

Me impressiona a habilidade dos realizadores de curtas-metragens, como um todo, de transmitir o máximo de informações visualmente, dado o tempo reduzido. Só pelo chapeuzinho de Kyota, vemos que ele é diferente dos demais e, ao ver uma garotinha de macacão e máscara, seus olhos brilham em comemoração: “Achei alguém como eu!”. Por uma coincidência, sua mãe tem de entregar uma encomenda na casa dos novos moradores. E lá vai o pequeno Kyota cumprir essa missão – a visão de um garotinho tão jovem caminhando sozinho cheio de mercadorias é quase absurda aos olhos da brasileira que sou, de tão impraticável que seria em nossa realidade…

Quando o encontro acontece, a história toma um rumo bem diferente do habitual boy meets girl. Kyota descobre que as coisas que lhe chamaram atenção na menina eram apenas ordens vindas do pai. Num diálogo simples e ao mesmo tempo profundo, ela diz “Pensei que você era igual a mim, ia te chamar pra brincar comigo”, ao que Kyota responde algo como “Nós não precisamos ser iguais para brincarmos juntos” (talvez em forma de pergunta, não me lembro bem). Unidos, os dois se libertam de seus adereços – o chapéu dele e o macacão dela – e saem juntos para brincar.

O pai da garotinha, furioso, vai correndo ao seu encontro. É até divertida a postura de Kyota, nem um pouco intimidado pelo homem – pelo contrário, chega até a elogiar sua atitude. A fala inocente de Kyota desperta o pai de seu extremismo e este se ajoelha frente à filha, pedindo-lhe perdão. No que diz respeito ao núcleo familiar, a sociedade japonesa é vista como muito rígida e ligada à disciplina. Justamente por isso, essa inversão (pais abandonando sua autoridade pelo bem dos filhos) é válida e presente em outras produções japonesas – como o longa Pais e Filhos, de Hirokazu Koreeda.

É interessante reparar no dilema de Kyota, paralelo aos acontecimentos, de largar ou não seu chapeuzinho. Não me arrisco a identificar o que ele simboliza, pois ainda quero assistir o primeiro filme da sequência. Mas é seguro dizer que, assim como seu protagonista, o curta-metragem Kyota – O Pequeno Entregador é autêntico e envolvente, retratando temas complexos em situações simples.

Kyota – O Pequeno Entregador está na Mostra Internacional 4. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014