A questão do roteiro nos curtas brasileiros

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por Adriana Gaeta –

Acompanhei com muito interesse as mostras Brasil, Latinos e Panorama Paulista. E o fato é que neste apanhado de curtas que assisti, o cinema brasileiro está em atraso em pelo menos um aspecto: o do roteiro. Sim, nós brazucas somos extremamente criativos, inovadores, temos um ritmo de narrativa e de montagem que faz com que nossos filmes (em geral) sejam gostosos de assistir. Sim, temos uma gama de temas abordados absurda, personagens reais (no caso dos documentários) interessantíssimos, nosso país tem histórias incríveis para contar. Mas como diz Nelson Rodrigues em sua famosa frase “teatro não é bombom com cereja” está faltando algo mais também em nosso cinema.

Minha impressão é que os filmes estão aí para agradar, são de fácil assimilação. Está faltando roteirista. Roteirista que acredite não na grande ideia, mas em ir mais fundo nos temas. Roteirista que acredite na inteligência do espectador. Roteirista que me convide para dançar, mas não conduza a ação da dama. Por outro lado, os latinos veem com uma força e um grau de maturidade na abordagem das personagens impressionante. Os hermanos tem técnica cinematográfica, mas também tem uma narrativa madura, densa, complexa. Eles fogem do maniqueísmo que é tão caro a nós brasileiros e em filmes como Bezerra, Feliz aniversário e O passado partido as personagens são complexas, contraditórias e por isso mesmo extremamente vivas.

Verdade que essa escolha pelo paradoxal faz de mim uma espectadora menos “emocional”. Não torço pelo final feliz. Aliás, algo me diz dentro da sala de cinema, que não haverá final e muito menos feliz. E essa libertação me aproxima de maneira muito diferente dos filmes latinos. A construção da personagem é mais ampla e por isso, elas não ficam restritas à situações simplistas. Não há o som de berimbau para ilustrar um documentário sobre a situação dos negros (USP 7%) ou a valorização passional da personagem feminina (Ciclo 7X1). O que quero dizer é que a abordagem da personagem não é única nem reta.

O curta O rapaz se masturba com raiva e ousadia é um exemplo disso. Filme sobre um bailarino que faz programas para sobreviver, não há na construção do filme trilhas, enquadramentos ou qualquer outro catalizador de minha emoção. Jonathan não é bom, nem mau, nem o que ele faz é certo ou errado. É a luta pela sobrevivência e ponto. Sem indução do espectador. O que posso concluir é isso: o que falta no cinema brasileiro é mais maturidade e menos mimimi.

Semelhanças documentais

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Dificilmente perceptível em um primeiro momento, existe um diálogo interessante entre os curtas Realmente, do Coletivo Belterra, e Tim, vou fazer com o que tem, de Ricardo Machado. Ambos fizeram parte da Mostra Brasil 2 – na minha opinião, foram os grandes destaques – e pertencem ao gênero de documentário. De maneiras bastante distintas, cada um deles é estruturado especialmente para apresentar e desenvolver sua personagem central.

Em Realmente, temos o cativante Gê, um rapaz de Belterra que sofre preconceito por sua voz hipernasal (fanha), mas não se deixa abalar e vive feliz à sua maneira. Incluindo entrevistas de sua mãe, seus amigos e do próprio Gê, o documentário segue uma estrutura relativamente tradicional. A “magia” do curta, por assim dizer, está centrada no carisma do protagonista, que efetua suas tarefas diárias com vigor e tem vários sonhos e planos para o futuro, como o de ser um “grande empresário”, em suas palavras. Sua positividade é retratada de forma tocante, transmitindo uma forte lição de vida aos espectadores – sem, contudo, pender a uma carga dramática exagerada.

Já em Tim, vou fazer com o que tem, o tom da narrativa é mais investigativo do que expositivo, com o diferencial de optar por letreiros em vez de uma narração em off – uma boa escolha, que concentra a atenção do espectador na parte visual, ao mesmo tempo em que destaca a cena em que ocorre uma conversa no Skype entre diretor e personagem. A ausência de uma entrevista bem sucedida com Tim torna suas filmagens amadoras ainda mais interessantes, pois elas são o único canal de comunicação entre personagem e espectador. A montagem auxilia, mas o que realmente causa o riso do público é a excentricidade e a curiosidade quase infantil de Tim, sua vontade de compreender e ser compreendido, divertir a si e aos outros.

Apesar das diferenças de abordagem, ambos os curtas enfatizam a autenticidade de seus protagonistas e como suas características aparentemente exóticas engrandecem suas personalidades. Isso pode ser comprovado, também, na trilha musical dos curtas: em Realmente, Gê assovia uma música de sua autoria, e a única música na trilha de Tim provém de seu numeroso acervo de vídeos caseiros. Esse amadorismo na filmagem é explorado também em uma cena de Realmente, em que Gê mostra sua taberna com movimentos de câmera entusiasmados – que, no contexto, são até graciosos.

Outra semelhança entre os curtas está em seus títulos. Nos dois casos, o nome do curta provém de um diálogo entre o protagonista e o idealizador do filme – o termo “realmente” é quase um vício de linguagem do simpático Gê, e a frase “tim, vou fazer com o que tem” encerra a conversa (que tinha como assunto a entrevista nunca feita) e o curta de Machado. Vemos, temos dois ótimos exemplos de documentários: com estilos próprios, mas com a mesma relação de proximidade com seus personagens.

Letícia Fudissaku

Realmente e Tim, vou fazer com o que tem estão na Mostra Brasil 2. Clique aqui e veja a programação dos filmes no Festival de Curtas 2013