Rápido e rasteiro

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Temas e estilos diversos convergem para a formação do curta Malária, escrito e dirigido por Edson Oda. Provavelmente um dos curtas de menor duração de todo o festival, Malária realiza a proeza de manter o interesse do espectador do início ao fim – não utilizo o termo “de maneira constante” para não remeter à inércia ou qualquer sentimento de monotonia. Até porque, o curta é extremamente dinâmico, contendo elementos de faroeste, sobrenatural e graphic novels que, combinados de maneira tal, exprimem uma narrativa bastante jovial e moderna.

A influência do diretor Quentin Tarantino (mencionado, inclusive, na coluna de agradecimentos dos créditos finais) é quase palpável de tão expressiva e muito bem-vinda, presente também na intensa relação da trilha com o enredo. De fato, as recorrentes parcerias de Tarantino com Ennio Morricone em seus filmes faz com que músicas de western sejam rapidamente rotuladas como “tarantinescas”. Mas, a meu ver, a principal característica do curta que me remete ao diretor americano é o ritmo da narrativa – quase frenético, mas sempre envolvente.

Mais do que falar de possíveis influências ou referências, é indispensável mencionar o diferencial de Malária, que pode ser resumido em uma palavra: criatividade. Uma história relativamente simples (mas não por isso menos refinada), que ganha vida de uma forma inusitada, com a utilização de grafismos, gestos ágeis e narração em off, quase como um desenho animado. A diferença é que a mobilidade da história se dá “manualmente”, com as mãos do diretor guiado os quadros, como se passasse uma linha (narrativa) de costura ligando um ponto da história ao seguinte.

Os objetos utilizados juntamente com os quadros também são dignos de menção: em especial, a tinta vermelha representando o sangue e o negativo de filme representando um flashback. Numa época de uso desenfreado de efeitos na pós-produção, é revigorante encontrar um curta como Malária, que resgata uma linguagem mais rebuscada (que me lembra, inclusive, programas infantis como Rá-Tim-Bum), permitindo que a imaginação do espectador desfrute de sua simplicidade de maneira quase nostálgica – ao mesmo tempo em que se diverte com a temporalidade e a ironia contidas em seu desfecho.

Letícia Fudissaku

Malária está na Mostra Brasil 6 e na Mostra Infanto-Juvenil. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2013

Semelhanças documentais

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Dificilmente perceptível em um primeiro momento, existe um diálogo interessante entre os curtas Realmente, do Coletivo Belterra, e Tim, vou fazer com o que tem, de Ricardo Machado. Ambos fizeram parte da Mostra Brasil 2 – na minha opinião, foram os grandes destaques – e pertencem ao gênero de documentário. De maneiras bastante distintas, cada um deles é estruturado especialmente para apresentar e desenvolver sua personagem central.

Em Realmente, temos o cativante Gê, um rapaz de Belterra que sofre preconceito por sua voz hipernasal (fanha), mas não se deixa abalar e vive feliz à sua maneira. Incluindo entrevistas de sua mãe, seus amigos e do próprio Gê, o documentário segue uma estrutura relativamente tradicional. A “magia” do curta, por assim dizer, está centrada no carisma do protagonista, que efetua suas tarefas diárias com vigor e tem vários sonhos e planos para o futuro, como o de ser um “grande empresário”, em suas palavras. Sua positividade é retratada de forma tocante, transmitindo uma forte lição de vida aos espectadores – sem, contudo, pender a uma carga dramática exagerada.

Já em Tim, vou fazer com o que tem, o tom da narrativa é mais investigativo do que expositivo, com o diferencial de optar por letreiros em vez de uma narração em off – uma boa escolha, que concentra a atenção do espectador na parte visual, ao mesmo tempo em que destaca a cena em que ocorre uma conversa no Skype entre diretor e personagem. A ausência de uma entrevista bem sucedida com Tim torna suas filmagens amadoras ainda mais interessantes, pois elas são o único canal de comunicação entre personagem e espectador. A montagem auxilia, mas o que realmente causa o riso do público é a excentricidade e a curiosidade quase infantil de Tim, sua vontade de compreender e ser compreendido, divertir a si e aos outros.

Apesar das diferenças de abordagem, ambos os curtas enfatizam a autenticidade de seus protagonistas e como suas características aparentemente exóticas engrandecem suas personalidades. Isso pode ser comprovado, também, na trilha musical dos curtas: em Realmente, Gê assovia uma música de sua autoria, e a única música na trilha de Tim provém de seu numeroso acervo de vídeos caseiros. Esse amadorismo na filmagem é explorado também em uma cena de Realmente, em que Gê mostra sua taberna com movimentos de câmera entusiasmados – que, no contexto, são até graciosos.

Outra semelhança entre os curtas está em seus títulos. Nos dois casos, o nome do curta provém de um diálogo entre o protagonista e o idealizador do filme – o termo “realmente” é quase um vício de linguagem do simpático Gê, e a frase “tim, vou fazer com o que tem” encerra a conversa (que tinha como assunto a entrevista nunca feita) e o curta de Machado. Vemos, temos dois ótimos exemplos de documentários: com estilos próprios, mas com a mesma relação de proximidade com seus personagens.

Letícia Fudissaku

Realmente e Tim, vou fazer com o que tem estão na Mostra Brasil 2. Clique aqui e veja a programação dos filmes no Festival de Curtas 2013

Testemunhando o Assassinato em Junín

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O curta-metragem Assassinato em Junín alimenta uma discussão interessante sobre o olhar cinematográfico e toda a experiência de assistir a um filme. O público, inconscientemente ou não, já está acostumado a ter sua percepção narrativa conduzida pela montagem – que, por sua vez, segue os direcionamentos do diretor. Eis que Andrew Sala, diretor do curta em questão, oferece-nos algo fora do usual: um enquadramento aberto de uma paisagem, que se trata também de um plano-sequência estático e, nos segundos iniciais, sem registrar nenhuma ação aparente.

Essa opção estilística faz toda a diferença, na medida em que envolve o espectador de uma maneira singular: logo no começo, vem a agonia de não saber para onde olhar, onde a ação vai ocorrer. Quando a narrativa começa a se desenrolar de fato, seu ritmo é relativamente lento, especialmente por se tratar de um plano sem cortes e ocorrerem várias pausas entre as ações das personagens. Aliada ao posicionamento de câmera, essa lentidão nos aproxima da história, como se estivéssemos fisicamente presentes no local em que ela se passa.

Mais do que um mero observador ou voyeur, o espectador se torna testemunha dos eventos apresentados – entre eles, o assassinato que dá nome ao filme. Tal como se presenciasse as cenas na vida real (logo, fora de um contexto específico), o espectador nada sabe além do que vê, e justamente por isso tenta captar o máximo de detalhes, a fim de lhes atribuir sentido. Podemos ver maiores detalhes sobre a construção de um ponto de vista próprio no documentário Janela Da Alma, que explora o conceito de visão de diferentes formas.

A aflição de ficar com o olhar perdido pela tela, no começo do curta, é substituída nos momentos finais por uma ávida curiosidade a respeito do que não está sendo mostrado. É até divertida a inquietude gerada pela vontade de olhar além: é como se o diretor segurasse seu pescoço e te impedisse de ver – e, justamente por isso, tem-se a impressão de que há algo importante sendo ocultado. Essa curiosidade se intensifica, ainda, quando nos é revelado o porquê do posicionamento de câmera escolhido. Irreverente em seus aspectos formais, Assassinato em Junín desperta sensações variadas no espectador, tornando a experiência de assisti-lo memorável e estimulante.

Letícia Fudissaku

Assassinato em Junín está na Mostra Latino-americana 2. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2013