Saturno: o trash que nos resta
por Thiago Zygband –
Se não está mal o curta-metragem brasileiro, é inegável: paira certa monotonia. “Cinema de Afeto”, mais do que nunca. Câmeras contemplativas, diálogos de poucas palavras, sensações, relações orgânicas; a ausência da trilha sonora, tantos e tantos finais abertos, o silêncio que emergiu junto com a percepção do tempo. Não há dúvidas, realizamos produções notáveis sob tais recursos – Sem Coração, por exemplo, de Tião e Nora Normande, acaba de arcar com o troféu da Semana de Realizadores de Cannes utilizando-se dessa forma; além de tantos outros bons títulos no festival deste ano. Talvez ainda esteja dando seus primeiro passos esse tipo de cinema, muito embora Bressane já o faça há tempos. Incomoda, então, é o clima de mesmice que parece ter se estabelecido no curta nacional, e em especial no de ficção, no qual certos maneirismos, temas e abordagens se repetem incansáveis ao longo das Mostras Brasil. Estaremos tão afetivos assim? Por que calam nossas personagens? Algo cheira estranho por estas bandas…
Fazendo troça de afetações desonestas, advogando a boçalidade-geral e o desbunde ético, Saturno, de Savio Leite e Clécius Rodrigues, é o único curta honestamente ruim da Mostra Brasil. Não é bom, nem se pretende: assume o trash e se diverte. Parte do pressuposto da digestão de certa mitologia helenística – retoma a história de Saturno, que come seus filhos por temer a concretização da profecia na qual um deles o destronaria. Mas Zeus se salva por sendeiros tortuosos, destrona o pai e assume o poder do Olimpo, onde reinará imortal. Torna-se ele, então, soberano dos gregos.
Diz-se que todo filho há de matar o pai, mas Zeus também revela-se tirano: o mito permeia as relações do filme. Homens explodem uns aos outros, bocas comem bocas, massinhas degringolam-se, mãos amassam homens. A barbárie é geral.
A enorme quantidade de tipos humanos, assim como dos formatos das animações e do próprio quadro, remete-nos às imagens de TV ou vídeos de YouTube. Colocados no cinema, em objetos toscamente animados, ressalta-se a banalidade da imagem de violência. Uma análise menos cuidadosa poderia reduzir o curta ao mero prazer gráfico da coisa – como há em Tom e Jerry, por exemplo – mas, por ali, não há nada de ingênuo: é um mundo de homens irracionais e deformados, vivenciando situações-limite, circundados por violência e reproduzindo-as sem narrativa sequer. A referência ao mundo grego não é à toa, portanto – aquilo é nefando, a impossibilidade de escapatória é o Trágico, cada qual um pequeno tirano.
Ri-se do absurdo das ações – são sádicos os diretores, também o somos. Jogam-nos materiais em colisões às mentes, a montagem é frenética, anti-contemplativa, a trilha sonora tosca e incansável. Talvez não haja nada para ser ver ali, afinal das contas. Qualquer filme de Transformers é muito mais violento, veloz e histriônico do que podemos realizar por aqui. Saturno é paródia burlesca, portanto, e zomba pela precariedade. Já que o ideário Eisensteiniano da justaposição dos fotogramas diferentes que, trazendo o conflito, sobrepujam o pensamento atávico, hoje soa como utopia velha, ao menos avacalhemos.
O filme de Savio Leite e Clécius Rodrigues reafirma a necessidade do experimentalismo como postura crítica e, em tom de deboche, algo crucial por estas bandas – que cinema não se faz só com adornos. Cinema é ato de resistência, desejo que pulsa, exercício de liberdade.