Mundo Incrível Remix: assim nascem as religiões

mundo incrivel remix

por Artur Ivo –

Aqui falarei do Mundo Incrível Remix, curta cheio do pop e do underground. Afinal o que mais pop e underground que exoterismo? Ainda mais quando misturamos celebridades, animais e alienígenas. Esse é o curta: essa lambança colorida e fantástica.

O filme começa cadenciando relatos de viagens e religiosidades até cair num mundo onírico de efeitos especiais conturbados. O ritmo frenético alucina a plateia até parar numa calmaria com plano parado e longos. Mas nesse ponto do filme o áudio se torna fantástico com relatos de estegossauros, Clodovil, alienígenas, Jesus, porcos e tartarugas. Depois disso nasce o Messias encarnado no corpo de um porquinho.

Afinal o que é isso?

Tive que sair da sala quando acabou o curta, e do lado de fora um senhor me disse que o filme não tinha conteúdo ou mensagem, depois perguntou se eu era da equipe com medo da gafe. Mas não é assim também, não podemos ser tão duros com um filme tão diferente por mais que ele seja essa massaroca multicolor perturbada, tem seus momentos. Ele é praticamente um livro sagrado com histórias de superação e morte, onde existem os escolhidos e muita presença espiritual. Claro que é um espiritual forçado, pop, mas ele é bem presente e importantíssimo no filme.

Além disso, o filme consegue, através de diferentes visões, nos colocar fora do filme. Ele utiliza pessoas vendo uma imagem filmada na tela, acompanhando uma música cortada pela edição, além de efeitos toscos (acredito eu) de propósito. O filme tenta experimentar e consegue, em várias áreas cinematográficas, mas se não fosse o tema, o filme iria bem mal (pior que isso). Quando eu digo que ele consegue experimentar graças ao tema é pelo aparato pop e o tema exotérico, tratado de forma trash, algo que contribui com efeitos mais baratos e mais simples. Mundo Incrível Remix se destaca por conseguir assumir seu lado trash e pensar num curta diferente – ele tem um tema muito raro no festival. Talvez pensando nos vídeos da internet, ele não se destaca tanto, já que essa estética é presente no mundo de vídeos underground, no YouTube e Vimeo.

Mas quando penso em festival e mesmo em cinema comercial, esse tema não é muito comum e por isso mesmo o filme tem mérito em conseguir trazer esse tema para as telas projetadas em cinema.

Apesar desse mérito, é um filme que perde bastante o foco e nas suas loucuras, deixando o público muitas vezes cansados – como o velhinho que veio reclamar do filme. Os efeitos cansam a vista e os efeitos fantásticos esgotam a narrativa. Talvez tenha faltado uma dosagem dos papeis do efeito e da apresentação do enredo.

Mesmo com os defeitos, o filme é uma grande religião – eu diria, inclusive, que os erros contribuem para isso. O curta tem todo o progresso e uma ideia voltada para isso, como se quisesse criar uma religião de verdade – ou, então, criticar as religiões, o que não é o meu palpite. Se o filme tivesse sido bem feito e divulgado eu não me surpreenderia se ele criasse alguns seguidores e fanáticos.

Mundo Incrível Remix está na Mostra Brasil 5. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

Saturno: o trash que nos resta

saturno

por Thiago Zygband –

Se não está mal o curta-metragem brasileiro, é inegável: paira certa monotonia. “Cinema de Afeto”, mais do que nunca. Câmeras contemplativas, diálogos de poucas palavras, sensações, relações orgânicas; a ausência da trilha sonora, tantos e tantos finais abertos, o silêncio que emergiu junto com a percepção do tempo. Não há dúvidas, realizamos produções notáveis sob tais recursos – Sem Coração, por exemplo, de Tião e Nora Normande, acaba de arcar com o troféu da Semana de Realizadores de Cannes utilizando-se dessa forma; além de tantos outros bons títulos no festival deste ano. Talvez ainda esteja dando seus primeiro passos esse tipo de cinema, muito embora Bressane já o faça há tempos. Incomoda, então, é o clima de mesmice que parece ter se estabelecido no curta nacional, e em especial no de ficção, no qual certos maneirismos, temas e abordagens se repetem incansáveis ao longo das Mostras Brasil. Estaremos tão afetivos assim? Por que calam nossas personagens? Algo cheira estranho por estas bandas…

Fazendo troça de afetações desonestas, advogando a boçalidade-geral e o desbunde ético, Saturno, de Savio Leite e Clécius Rodrigues, é o único curta honestamente ruim da Mostra Brasil. Não é bom, nem se pretende: assume o trash e se diverte. Parte do pressuposto da digestão de certa mitologia helenística – retoma a história de Saturno, que come seus filhos por temer a concretização da profecia na qual um deles o destronaria. Mas Zeus se salva por sendeiros tortuosos, destrona o pai e assume o poder do Olimpo, onde reinará imortal. Torna-se ele, então, soberano dos gregos.

Diz-se que todo filho há de matar o pai, mas Zeus também revela-se tirano: o mito permeia as relações do filme. Homens explodem uns aos outros, bocas comem bocas, massinhas degringolam-se, mãos amassam homens. A barbárie é geral.

A enorme quantidade de tipos humanos, assim como dos formatos das animações e do próprio quadro, remete-nos às imagens de TV ou vídeos de YouTube. Colocados no cinema, em objetos toscamente animados, ressalta-se a banalidade da imagem de violência. Uma análise menos cuidadosa poderia reduzir o curta ao mero prazer gráfico da coisa – como há em Tom e Jerry, por exemplo – mas, por ali, não há nada de ingênuo: é um mundo de homens irracionais e deformados, vivenciando situações-limite, circundados por violência e reproduzindo-as sem narrativa sequer. A referência ao mundo grego não é à toa, portanto – aquilo é nefando, a impossibilidade de escapatória é o Trágico, cada qual um pequeno tirano.

Ri-se do absurdo das ações – são sádicos os diretores, também o somos. Jogam-nos materiais em colisões às mentes, a montagem é frenética, anti-contemplativa, a trilha sonora tosca e incansável. Talvez não haja nada para ser ver ali, afinal das contas. Qualquer filme de Transformers é muito mais violento, veloz e histriônico do que podemos realizar por aqui. Saturno é paródia burlesca, portanto, e zomba pela precariedade. Já que o ideário Eisensteiniano da justaposição dos fotogramas diferentes que, trazendo o conflito, sobrepujam o pensamento atávico, hoje soa como utopia velha, ao menos avacalhemos.

O filme de Savio Leite e Clécius Rodrigues reafirma a necessidade do experimentalismo como postura crítica e, em tom de deboche, algo crucial por estas bandas – que cinema não se faz só com adornos. Cinema é ato de resistência, desejo que pulsa, exercício de liberdade.

Saturno está na Mostra Brasil 9. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014