Começou o Crítica Curta 2015

26º festival internacional de curtas metragens de são paulo curta kinoforum

Estamos a um dia do começo do 26º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo. E como acontece em todos os anos desde 2005, a oficina Crítica Curta convida estudantes de curso de de audiovisual em instituições da cidade a produzir reflexão em texto sobre os filmes exibidos no festival. A coordenação do projeto neste ano fica novamente a cargo do crítico de cinema, pesquisador e jornalista Heitor Augusto.

Assim como no ano passado, este blog volta a ser o espaço de publicação dos artigos, apostando que a publicação no ambiente virtual permite mas possibilidades de circulação dos textos e diálogos com os leitores – realizadores e público em geral. Os participantes da oficina terão a responsabilidade de assistir diversas sessões que compõem o cardápio do festival. Suas reflexões estarão concentradas nos curtas das mostras Brasil, Panorama Paulista, Cinema em Curso e Latino-americana.

O blog Crítica Curta terá posts diários, escritos pelos “calouros” (que participam da oficina pela primeira vez) e “veteranos” (que já compuseram o projeto no ano passado e são convidados). Você pode acompanhar as atualizações pelas redes sociais, seguindo o Twitter da Kinoforum [clique aqui] e curtindo a página do Facebook [clique aqui]. No topo de cada post no blog você encontrará um botão para compartilhar os textos.

A navegação é simples: na parte superior da home page estão os posts mais recentes. Do lado direito da metade inferior da home você poderá procurar por textos usando tags (nome do filme, nome do diretor, nome do autor, tema do curta etc). À direita de cada página há a nuvem de tags, que aponta os tópicos mais comentados nos textos.

Abaixo está a lista dos calouros que participam da oficina neste ano:

Adriana Gaeta
Armando Manoel Neto
Giovanni Rizzo
Janaina Garcia
Juliana Souza
Lígia Jalantonio Hsu
Mariana Moura Lima
Raphael Gomes
Rafael Dornellas
Rodrigo Sá

Sejam bem-vindos e boa leitura!

Termina mais um Crítica Curta

audiencia de cinema

Dezessete estudantes de cinema e comunicação. Doze dias de cobertura de filmes espalhados pelas mostras Brasil, Internacional, Panorama Paulista, Latino-americana, Diversidade Sexual e Infanto-juvenil. Chega ao fim mais uma edição, a 10ª, do Crítica Curta, oficina de crítica de cinema que acontece durante o Festival Internacional de Curtas-metragens, cujos textos são publicados neste espaço.

Os textos produzidos neste ano continuarão disponíveis no blog, servindo como fonte de pesquisa para os próximos anos, ilustrando como esse ou aquele curta foi recebido no calor da hora. Para realizar uma consulta de um texto ou filme específico, basta usar o campo de busca na página inicial do blog (no topo, à direita, desta página), digitando o nome do filme. Se desejar navegar pelos assuntos que mais apareceram nos textos, basca fazer uma busca utilizando uma tag sob a qual as críticas foram marcadas (por exemplo: “adolescência”, “violência”, “política”, “animação”, etc).

É possível também efetuar buscas por meio da mostra em que os filmes foram exibidos. Lobo abaixo o campo de buscas, navegue por um dos itens tópico Filtro por Mostras.

Como coordenador do projeto, deixo aqui um agradecimento aos oficineiros que se comprometeram em realizar reflexões a respeito do curta-metragem, ao Festival de Curtas por manter a atividade, e aos leitores que acompanharam a cobertura por aqui.

Heitor Augusto

Sobre a delicadeza e o amor profundo

na sua companhia

Complicado falar sobre o que um filme é ou deixa de ser. Na sua companhia foi exibido como parte de um programa intitulado LiberCine, de temática LGBTTT, mas se destacava muito das outras produções pela obliquidade com que se refere a esse universo. Diferentemente dos outros filmes do programa, a sexualidade não é um ponto em questão, e sua afirmação não se faz por meios tradicionais ou simplistas.

O filme se insere numa tendência contemporânea de ausência de confronto, e vai além, eliminando o conflito dramático. Forçosamente nada acontece em cena. Na sua Companhia é uma série de tableaux – o bar, a casa, a cama, a rua, o churrasco, o encontro – que dialogam entre si, mas que (por definição) tem pouca ou nenhuma transformação interna. A história se conta nas comutações, em uma constante reavaliação do estado em que se encontra a relação dos dois.

Esses tableaux são – principalmente no começo – marcados por códigos visuais muito expressivos e que acabam sendo fundamentais nessa narrata épica. O melhor exemplo é a primeira cena do filme, que estabelece uma relação ambígua de poder e voyeurismo/exibicionismo a qual nos remete a um certo tipo de filme de terror (Bruxa de blair, REC, The Poughkeepsie Tapes). Esse código visual cria em nós uma expectativa de que “alguma coisa dará errado”. Mais que isso, ela codifica nossa primeira leitura do protagonista como sendo um perverso (provavelmente, um vilão), distanciando-nos dele. Existe ao longo de grande parte do filme uma expectativa de que algo de ruim irá acontecer porque na primeira cena nossa relação com o protagonista foi formatada através de uma série de artifícios de linguagem – não se trata de uma característica da personagem, mas um determinado conjunto de expectativas que estão associadas a sua representação. Com o tempo, o filme vai adotando outros códigos de linguagem que vão transformando nossa relação com o protagonista branco sem que exista uma transformação da personagem. O contraponto entre esses códigos visuais muito diversos é parte do mecanismo de ‘contar a história’.

Não há propriamente drama, ainda que haja algo ‘acontecendo’. As quebras de expectativa existem a nível estrutural: coisas que, no início, estão postas como questão perdem arbitrariamente esse estatuto; aquilo que parecia essencial revela-se banal. Por exemplo, do código de terror do começo sombrio, o homem mais velho tem uma relação complicada com essa câmera e ele mesmo diz não querer que lhe filmem. De repente, sem pestanejar, ele cede ao pedido do amante e se deixa ser filmado.

Não obstante essa complexidade formal, o filme é sobre duas personagens e sobre uma relação que tem um arco muito claro. Ao contrário do que se pode dizer de grande parte da ficção recente, os protagonistas de Na sua Companhia são ativos e isso não é banal. A relação dos dois evolui a partir de concessões: um que topa o convite para o jantar, outro que topa ser filmado. O rapaz negro é o vetor fundamental das mudanças, e o fato de ele tomar a câmera em mãos, arrebatando o ponto de vista e o próprio protagonismo do filme indica a conquista do direito à própria representação. Essas personagens que no início estão à mercê dos códigos do narrador no final estão produzindo sua própria imagem; e esse é o grande turning point da narrativa.

E, ainda assim, em nenhum momento olhamos de frente para esse casal. Somos dados a conhecer recortes específicos de sua trajetória, fragmentos de uma história da qual o espectador tem grandes lacunas a preencher, ao contrário de uma ficção contemporânea onde a mais banal das coisas é passível de ser artificialmente trabalhada para ser impactante e chamativa. O exemplo paroxístico é o filme de Sam Raimi, onde Oz não é senão uma paródia da realidade: tudo lá é maior e mais colorido e as flores abrem-se ao passar do protagonista, numa tentativa de dar conta de uma sensibilidade amortecida.

Em Na sua companhia somos convidados a contemplar uma relação cujo momento apoteótico é um abraço e a frase “Você é o máximo”. Há uma pequenez nesse gesto que carrega algo de (neo?) realista e que dá conta de uma relação que não precisa gritar para se afirmar. Quem assistir a esse filme na expectativa de que o filme lhe “entretenha” ou lhe “diga algo” sairá frustrado porque o filme de Marcelo Caetano é a representação de uma conjuntura complexa e chego ao fim na certeza de que estou muito longe de dar conta do filme como um todo, mas muito grato a Rubens Rewald e a Heitor Augusto por sensibilizarem meu olhar para este filme.

Por fim, a temática homossexual é indispensável ao enredo deste filme. O filme iniciar em código de suspense não é ingênuo na medida em que o universo gay é tradicionalmente associado a “perversidade”. A narrativa de uma relação que começa num ambiente tenso e obscuro e termina solar só poderia ser o arco de uma relação cuja afetividade vem carregada de pré-conceituação social. A obra lida, entre muitas outras coisas, com essa não superada marginalização da homoafetividade, afirmando-a ao trata-la todo o tempo como premissa e não como dilema fundamental do relacionamento.

Na sua companhia, para felicidade geral da nação, é um filme de amor com final feliz.

João Pedone

Na sua Companhia está na Mostra Libercine. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2013

Quatro filmes em um

amor cru

Minhas hipóteses sobre Amor Cru (Amor Crudo) são quatro: ou o filme tem um esquema complexo de narração que alterna memória (ou fabulação) e realidade; ou os dois meninos estavam namorando e um deles não sabia; ou então o menino mais novo levou o fora mais cretino da história e nem ligou; ou na Argentina é perfeitamente casual amigos heterossexuais dormirem juntos na mesma cama, tomarem banho juntos e masturbarem um ao outro.

A última hipótese me parece a que melhor dá conta do filme. Nesse caso, o filme é uma investigação antropológica a respeito das formas de sexualidade entre jovens argentinos: dois rapazes obtém prazer sexual um com o outro enquanto não iniciam sua vida afetiva. Isso significaria que a sociedade argentina alcançou um grau de liberdade sexual em que o prazer sai da esfera privada da relação íntima do casal e atinge uma esfera de descoberta coletiva. Sob esse prisma, o filme é sobre a incongruência dos desejos de dois rapazes: um que quer curtir e o outro que quer namorar.

Talvez o filme seja justamente sobre esse menino homossexual que aprende a se libertar de valores afetivos tradicionais. Diante da impossibilidade de concretizar a relação com seu amigo, ele precisará aprender a lidar com a inexorabilidade da vida e das relações humanas. O filme seria, então, a narrativa da frustração afetiva desse menino, a qual seria um passo em seu amadurecimento pessoal. O filme marca essa transição associando-a diretamente com o fim das aulas e o início do verão (esse horizonte desconhecido, onde o grupo de amigos pode continuar unido ou não). O menino seria, assim, um herói lunar, que conquista a felicidade assumindo uma postura resignada diante do obstáculo. É uma perspectiva que se opõe ao herói solar, estandarte masculino de um cinema narrativo clássico, e adere a um grupo de valores mais intimistas e femininos.

A bem da verdade, não acredito em nada disso. Acredito que se trata de um filme “ruim”, cuja narrativa é atravancada e cujos signos não convergem, e ponto final. Mas resolvi deixar de lado a crítica autoritária e cedi à postura de crítico generoso. Afinal, ‘gays’ é um tema tão em voga hoje em dia, e alguma discussão o filme suscita. Respostas? Nenhuma.

João Pedone

Amor Cru está na Mostra Libercine. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2013