A publicidade venceu: sobre o Cinema em Curso

manchas de sangue no porcelanato

por Rafael Dornellas –

Serge Daney, crítico da Cahiers du cinéma, já na década de 1980 atentava seus leitores e escrevia sobre como a publicidade e suas práticas ganhavam força e se inseriam nos filmes de forma já naturalizada pelos novos cineastas. “A vizinhança já turva entre o cinema e publicidade já não era mais razão de ser”. Gerações de diretores se postavam inocentemente assimilados pela legitimação cultural e estética da publicidade. Daney alertava para como o cinema já não era mais uma “aventura do olhar”. Era claro para o crítico francês que entrávamos em uma fase em que a imagem era impressa através de inúmeros arquivos e spots televisivos de um mundo já visto e codificado: que não podia, ou não conseguia mais, ser redescoberto. As circunstâncias eram observadas de um patamar superior, de uma concepção pré-catalogada de centenas de anúncios destinados ao lucro e as imagens não mais resultavam de um exercício de olhar – de descobertas –, mas de conceitos pré-fabricados resultando em filmes que mais pareciam, a princípio, vender algum produto.

Destas primeiras análises às conjunturas contemporâneas entre publicidade e cinema pode-se perceber filmes produzidos a partir de práticas publicitárias de criação: apuro técnico impecável, um juízo específico e duvidoso daquilo que é considerado belo, uma “grande ideia” balizadora por trás de uma obra, abstrações frágeis e fuga do conflito para o etéreo “belo” porém vazio. O que se vê, portanto, são filmes carentes de uma história concreta, de um olhar frontal para o conflito e de um receio de se aproximar de suas personagens – de uma não-tomada de posição e uma recusa inconsciente de olhar para o mundo.

Ter as sessões de filmes universitários como um panorama é, primeiramente, a percepção de algo sintomático também presente no cinema brasileiro em geral – uma possível consequência do tecnicismo contemporâneo que procura, cada vez mais, formar técnicos capacitados para o mercado de trabalho. Procuro através deste texto levantar algumas questões a partir de filmes presentes nas sessões Cinema em curso – e um filme da Mostra Brasil 9 – e suas estratégias de linguagem, sob a ótica da publicidade, de práticas provenientes da comunicação: vídeos institucionais e internet, e de caminhos tomados pelo cinema, já a algum tempo, no ambiente contemporâneo.

A busca pelo belo, informativo e ágil

Look-fashion film, Mulheres desenhadas e Janelas imprimem a estética publicitária em suas belas imagens e afastam ainda mais o cinema de sua constituição. Look-fashion film carrega em seus planos a recusa pela progressão narrativa. Assume o sensorial e tece seus quadros buscando a sucessão de símbolos e a perfeição – publicitária – da imagem, que mais parece comercializar um produto do que desenvolver uma sensação.

Mulheres desenhadas contenta-se com a informação, como vídeos institucionais realizados dentro de empresas. Não há busca pela progressão em seus temas. Sua estética informativa e regressiva é freada na superfície e segue, até o final, na mesma baixa intensidade. Em Janelas, a internet, o vídeo sob a ótica do YouTube, o formato ágil, narração sagaz e bits que se distanciam muito do cômico e do experimental que o curta parece flertar. Vemos enfim a imposição da linguagem da internet, de vídeos publicitários e institucionais, sobre a lacuna dramatúrgica.

Vazio abstrato

A abstração como válvula de escape. As não-tramas etéreas que parecem possuir em sua concepção uma “grande ideia presente por trás do filme”, mas que carecem de conflitos reais e concretos, se fazem sentir em O asfalto e Debaixo das cerejeiras. Nesses filmes há a sugestão, o simbolismo, a metáfora, aquilo que não se vê mas deveria se sentir: a busca pela reflexão. Personagens melancólicos – também uma tendência – perdidos meio à contemporaneidade opressiva e turva. E uma câmera que olha seus objetos de modo ainda mais cauteloso e sub-reptício. O resultado é o vazio. Uma carência de concretude que catalise as abstrações e atinja o sentimento desejado no espectador. Não há materialidade o suficiente para a apreensão do público – sem algum amparo material, as tramas já nebulosas se dissolvem em um desguarnecido enigma impossível de se decifrar.

Debaixo das cerejeiras dedica sua quase totalidade para criar sua atmosfera, seu apreço pelo desconhecido no corpo do jovem protagonista, pelo mistério que a câmera parece querer descobrir junto dele. Pequenas pistas são lançadas apenas para aumentar a expectativa. Expectativa esta que se abandona antes mesmo de ser quebrada e revelado o cadáver no clímax. Temos uma sucessão de bem fotografados exercícios de sensações sem posicionamento.

O asfalto explora um acontecimento trágico e o suspense por sua repetição. A tentativa de hipertrofia do prenuncio do desastre, do momento do acidente, de composição da dúvida daquela personagem enigmática desfalecida, da progressão da descoberta do espectador para finalmente em seu final a revelação impactante. Mas mais uma vez, a assepsia da imagem frígida excessivamente bem tratada, o protagonista vazio e perdido meio à metrópole. A carência do choque, da tomada de posição e da exploração das intensidades nas interações. Não há conflito, não há suspense, não há sentimento.

A abjeção do YouTube

Vídeos filmados e postados na internet de atrocidades e aberrações, que dia-a-dia são manchetes e temas de programas de TV e agora estão nas telas de celulares, são apropriados e expostos pelo filme Este ambiente está sendo filmado?, curta universitário presente na Mostra Brasil 9.

A narração o carrega com tom sério e o coloca naquele patamar que observa o mundo de cima, pregando sobre as mazelas e os pensamentos humanos, distanciado, intensificando seu peso já excessivo. O exercício do olhar se revela uma seleção da violência cotidiana presente dentro de um grande catálogo de imagens que é a internet e uma realização de escolhas dentro dos próprios vídeos: congelamento da imagem, aproximação dos rostos, divisão de tela. O exercício de descoberta de mundo inexiste. Ao contrário, dá lugar a uma perversão fílmica cegada em meio a procedimentos de agressão a seu espectador.

Apesar da diferença de formato, Este ambiente está sendo filmado? remete a filmes contemporâneos como Relatos selvagens e diretores como Lars von Trier. Ou seja, um cinema perverso, sádico, que retrata a violência do ser humano acobertado por sua estética autoral, por um cinismo amparador da crueldade construída. Novamente: a carência do olhar, a observação vil do ser humano, de cima, confirmando a deformidade de um mundo já descoberto – a construção abjeta de um filme que se afunda em suas próprias imagens, banalizando-as ainda mais e tornando-se apenas mais uma janela sensacionalista além da internet e da TV.

Bem longe da alteridade

Por fim Mancha de sangue no porcelanato, um curta metragem resultado de uma tendência do cinema brasileiro contemporâneo de tentativa de discussão, contextualização e problematização da classe média/alta e seu papel social (O som ao redor, Casa grande e Brasil S/A, por exemplo). Partindo de um anseio de aprofundamento crítico sobre uma classe e exposição da mesma em observações de costumes, são desenvolvidas muitas vezes obras límpidas, higienizadas, em que a visão autoral do diretor suprime o objetivo primeiro. Terminamos pela anti-dialética. Pela exposição de excessos e caricaturas que prega para convertidos em salas de cinema constituintes, em sua grande parte, de uma classe média pronta para rir de si mesma.

Mancha de sangue no porcelanato explora o que já havia sido cena do filme de Kleber Mendonça. Uma assembleia de condomínio. Desta vez um condomínio residencial de alto padrão, fechado, cercado por muros. Não há um caminho a ser tomado pela discussão. Nem uma reflexão acerca das origens de tais comportamentos mesquinhos. Há, apenas, o riso fácil, o esgarçamento do que de pior pode haver nesse convívio social e a exposição de tais caricaturas para o público. Distanciamento irônico nefando: consequência também da publicidade – limpidez e brilho frente a uma ideia pré concebida de mundo. Higienização da linguagem. Não há contradição, alteridade e uma possibilidade de problematização de valores. Há somente o olhar debochado e cínico sobre um universo matematicamente construído para criticarmos suas interações com um riso no canto da boca.

Ausência de obstinação

Concluindo, é importante resgatar o texto de Luiz Carlos Oliveira Jr, publicado na revista Contracampo em 2008 com o título de A publicidade venceu, em que ele não somente retomava Daney, mas alertava que além da diluição perversa da estética publicitária no cinema, a crítica – e último refúgio de resistência a tal prática – parecia haver também perdido a capacidade de percepção: “A publicidade e suas práticas mais hediondas se naturalizaram no cinema (brasileiro, mas não só). Nessa visão de cinema, o ‘criar’ não é mais identificado a um trabalho dinâmico com a matéria; é um retrocesso simbólico, onde a ideia passeia livre, leve e solta – a ideia sobrevive à perda de vínculo com o pensamento e com o olhar.”

A crítica em Daney, assim como em Oliveira Jr, é diagnóstico de práticas naturalizadas dentro do cinema, mas que se distanciam dele próprio, e, se não são novidades no contexto contemporâneo – pelo contrário, estão presentes há algumas décadas no meio – se desenvolvem, progressivamente, despercebidas e perniciosas, tomando de assalto aqueles que seriam os últimos redutos de combate a elas.

Brasil, o país das mulheres que são… mulheres!

no devagar depressa dos tempos

por Mariana Moura –

O curta-metragem No devagar depressa dos tempos nos mostra uma visão sensível, contrastada e colorida da cidade de Guaribas, no Piauí, cidade-símbolo do lançamento do programa Fome Zero. Estima-se que lá cerca de 85% da população da cidade receba o benefício Bolsa Família, citado no filme.

E pelas ruas de terra da cidade sabemos que há uma mulher e uma câmera. Na frente desta vemos outras mulheres, olhando pra nós, meros espectadores, sentados no conforto de uma poltrona e privilegiando uma sessão de cinema. Há miséria, descaso e muita, mas muita esperança na vida. É dessa esperança que o filme trata.

Conhecemos as mulheres que são mulheres, simples e complexo, não?! “O que é ser mulher?”, a voz feminina pergunta, e é nesse momento que eu me sinto no calor de Guaribas, me vejo sentada naquela cadeira, ao lado dessas mulheres e tento, em vão, responder a essa pergunta, que é no mínimo ousada para aquela realidade.

Aquele rosto, maltratado pela vida e com um filho no colo, nos responde sorrindo e depois chorando, porque ser mulher é isso, um exercício diário de resistência e de persistência.

Ser mulher é achar que tem que aturar o marido bêbado a estuprando nas noites; não ter como alimentar seu filho, que quer um biscoito de R$ 2; aceitar calada todos os insultos que a família lança em sua mente, todos os dias; aprender que outra mulher não é irmã, é rival; aceitar calada ganhar 30% a menos que um homem que ocupa o mesmo cargo; não poder andar na rua de roupa curta, porque ela mesma pode provocar um estupro. É isso e tantas outras violências que as mulheres sofrem constantemente e que muitas delas aceitam.

Guaribas é São Paulo, Sorocaba, Mauá, Franco da Rocha, Jundiaí, Belo Horizonte, Mairiporã, São José dos Campos, Itajubá, Penápolis, Piracicaba… Guaribas é o Brasil, com um zoom enorme em todas as suas injustiças.

Com a câmera parada nas mulheres ou em movimento, seguindo o “Chefe”, eu me movimento por essa realidade, cruel como muitas, mas que é retratada com uma belíssima fotografia, um contraste que dói dentro da gente, um realce nos rostos, dos objetos da casa, das paredes rachadas e cada detalhe da vida daquelas pessoas. Em alguns momentos, enquanto as mulheres narram, vemos close de algumas imagens do cotidiano das mulheres, algumas cenas compostas por fotografias das pessoas e seus cotidianos, e também planos abertos da natureza de Guaribas, enfatizando a seca do lugar.

Também conheço as crianças Guaribenses, em especial, as meninas, que são pobres, mas falam de seus sonhos e que por enquanto desconstroem todo o machismo que há por trás das falas de suas mães. Uma quer ser doutora, cortar bucho, a outra quer ser e elas também querem ser mulheres, independentes e apropriadas, donas de suas próprias vidas. Parece que aquela cruel realidade já ensinou que se não estudarem, continuarão nesse legado da miséria.

Que venham mais trabalhos tão significativos como esse, que vem para ressignificar realidades, desconstruir preconceitos e fazer com que vejamos outras realidades e saiba que ainda estamos muito longe da igualdade nesse país.

No Devagar Depressa dos Tempos está na Mostra Brasil 6. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2015

A mulher no cinema e o cinema das mulheres

muta

por Amanda Martinez –

O cinema tem, desde sua origem, difícil relação com as mulheres. Apesar de, no âmbito dos espectadores, elas serem parte bastante representativa, isso não se reproduz nas telas. São poucas as protagonistas femininas e, quando existentes, são frequentemente submissas ao personagem masculino ou encarnam algum tipo de estereótipo machista. O fenômeno, na realidade, não é tão surpreendente: por trás dos filmes, também é mínima a presença de diretoras, não passando de 20% na grande maioria dos países nos últimos anos. Vem crescendo ultimamente, entretanto, ao menos o debate sobre a situação, e alguns projetos e editais visam fortalecer uma maior participação feminina no audiovisual. Ironicamente, uma dessas iniciativas partiu de talvez um dos segmentos menos feministas possíveis: a moda de alta costura da Miu Miu, pupila da gigante francesa Prada.

A proposta da marca é o “Contos de Mulheres”, projeto que vem patrocinando desde 2013 uma série de curtas-metragens dirigidos por mulheres. Até então nove, os filmes são disponibilizados via internet e foram exibidos juntos em algumas sessões do Festival Internacional de Curtas deste ano. Muito além do marketing, as modelos e atrizes vestem Miu Miu e encenam histórias que mergulham livremente no universo feminino, trazendo debates interessantes no palco da indústria opressora da moda.

Ao contrário de previsíveis questionamentos sobre machismo, os enredos criados por talentosas cineastas se debruçam na cultura puramente feminina. Através de roteiros soltos e em geral subjetivos, são abordados em profundidade assuntos que englobam desde roupas, vaidade e raça até algo mais emocional, sobre o papel da familia e das amizades. Como faísca para os debates, um certo jogo de opostos é identificado na maioria dos curtas, como no Muta, de Lucrecia Martel, em que o glamour e elegância de modelos esguias se mistura com seu comportamento primitivo, quase grotesco. Há também uma forte oposição estética entre a riqueza do vestuário e a pele natural e crua das personagens, como no trabalho de Giada Colagrande, O Vestido da Mulher, onde a confecção de peças de desejo se origina da nudez e do sangue. Há uma certa atemporalidade nos curtas, que por vezes tem um ar retrô, parecem pertencer a países distantes ou até são falados em línguas e sons inexistentes, algo que colabora positivamente para a criação de momentos e universos imaginários capazes de colocar de forma objetiva a indagação que cada temática trás.

Entre críticas e homenagens às questões femininas, a principal conquista dos contos é a de não invalidar e refutar tais pontos considerados em geral fúteis, como a própria moda tende a ser. As personagens são, sim, vaidosas e, sim, emotivas e, por que não, até mais objetificadas que seus vestidos-vivos, como no curta de Alice Rohrwacher. E é no ato de anti-fuga dessas abordagens que os filmes tem um efeito transformador sobre assuntos tão triviais na feminilidade, tornando-os algo artístico, enriquecedor e relevante, o rompimento da ideia de superficialidade do universo feminino em relação ao masculino.

Clique aqui e saiba mais sobre o programa Miu Miu: Contos de Mulheres

O Teto Sobre Nós: a desocupação não terá lugar

o teto sobre nos

por Lucas Navarro –

A história do cinema revela a singular posição que seu meio ocupa no trabalho de interação entre o romanesco e o testemunho no ato da narração. De Robert Flaherty a Pedro Costa, a arte de transmitir a experiência dentro das garrafas que a História lança ao mar a fim de, no descarte, encontrar um pescador-espectador que lhe restitua vida implica, na maior parte dos casos, em partilha de um mesmo espaço com o próprio cineasta que agencia o contingente em discurso. Pois é justamente essa implicação de estar “sob um mesmo teto” que tenciona a objetividade implícita ao termo – na acepção radical do testemunho, testes, que deriva tristis, ou seja, aquele que assiste na condição de terceiro que pode descrever os fatos com isenção, isto é, como espectador.

Antes de tudo, o espaço e seus moradores. Há uma evidente opção em encerrar o filme dentro do prédio ocupado em oposição a uma diluição da perspectiva que caracterize a sensação de totalidade da experiência. Antecâmara, o quarto, onde se concentra ainda mais essa perspectiva mínima, é palco do encontro entre duas figuras antagônicas: ela aguarda sob uma goteira, armando-se quixotescamente contra o curso das coisas; ele seduz à fuga desse mesmo estado de coisas. Curiosa estrangeiridade de uma terceira figura no espaço, com o qual não parece estabelecer qualquer vínculo evidente. As aparências de um desenho convertem-se em aparições constantes, até vermos a mulher o matar num gesto pouco naturalista, seguida pelas paredes sangrando. Não faz muito sentido falar, aqui, em personagem uma vez que não há paisagem psicológica que os sustentem através de uma história pregressa, mas em corpos com os quais a câmera estabelece uma relação de posse sem tocar, filiação sensível da percepção que imprime um reconhecimento afetivo e corrosivo sobre nossas retinas.

Nesse sentido, O teto sobre nós, de Bruno Carboni, nos serve de caso exemplar não só pelo envolvimento que ele engendra com o seu campo, recusando um estatuto de imagens legitimadas porque produzidas sob uma jurisdição exterior, mas, sobretudo, pelo trabalho de encenação que alça os intérpretes a um cadafalso de queda trágica cujo interior, de moldura que beira o teatral, desnaturaliza o evento e o inscreve num jogo simbólico externo ao circuito de seu espaço e tempo. A voz de Cassandra a nos alerta logo na primeira cena – que começa e termina com uma mulher que vê (plano recorrente no filme): a decisão judicial, outorgada pelo fora de campo (Estado ou Olimpo?) insensível à situação que levará a tomada dessa labiríntica masmorra traçada à ruína não deixa dúvidas: a guerra de Tróia é aqui e a qualquer hora.

Essa recusa à abertura e autenticidade da observação privilegiando a presença da clausura do olhar, próprio da tragédia, antes de invalidar o testemunho, lhe confere a fragilidade de um evento traumático e sua precariedade de restituição. Também o “fantasma” tentar restituir uma memória com seu pandeiro e canto, que caracterizam o dispositivo do poeta clássico, responsável por transmitir os feitos de seu povo, com o qual ele estabelece uma relação de distanciamento no pertencimento: alegoria do cineasta dentro do filme.

Que certos valores do poeta Homero se projetem sob uma Tróia de poetas morto hoje prescrevem uma série de questões, como a romantização do representado. O travestir-se é o melhor exemplo desse romantismo. Não se trata de idealismo travestido com aura de fatualidade se, com conhecimento de causa e sem inibições criativas, mantem-se uma solidariedade com o representado, em vez de fazer da própria falta sua virtude, como sempre somos tentados a fazer. A saída (se é que se pode usar esse termo) é forçar a dialética até que os extremos se toquem.

O Teto Sobre Nós está na Mostra Brasil 4. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2015

Action Painting: a transa de Pollock

action painting

Raphael B. Gomes –

Um filme que não seria incomum encontrar em um museu, dentro de uma exposição, está na grande tela de cinema. Fato que não é digno de tanto alarde, já que em um festival de curtas metragens tem-se espaço para todo tipo de experimentação. Sem juízo de valores ou busca de significados, Action Painting Nº1/Nº2 traz um interesse digno de ser analisado, ou melhor, a reação causada por sua exibição traz um interesse digno de ser analisado.

Em uma sessão em que já estava acordado, entre os espectadores, o aplauso como forma de reverência para cada fim de obra. Por que um filme como este não merece essa reverência? O que o diferencia tanto para que aquela microssociedade tirasse um valor de igualdade dele?
O curta aborda as artes plásticas de uma maneira explicitamente sutil. Explícito na forma, já que tem corpos nus e sexo, isso choca (nem tanto assim). Sútil no conteúdo, pois, aparentemente, traz uma forte influência do expressionismo abstrato.

Esqueçamos o nome, que remete diretamente a uma obra de arte. Olhando agora apenas para o produto audiovisual, o que sobra? Poucos minutos, único enquadramento, ausência de áudio, uma sequência de cortes, sexo entre um casal heterossexual – com toques de BDSM. À grosso modo é isso, mas não é só isso. O que muita obra de arte tem que este trabalho também tem é o fato de poder prender o espectador, que se deixa ser prendido. É uma espécie de troca, que tem de ser feita para poder dar certo, para conseguir que o filme chegue a quem assista – e consiga assim contemplar a projeção com seu devido valor à obra.

Reiterando, um ponto importante é: curta metragem explora um universo que, a princípio, é muito mais livre que o longa, uma série ou uma novela. Pensando no campo da experimentação. Ao entrar em uma sala de cinema de rua, com uma programação de curtas, dentro de um festival (tem coisa mais alternativa que isso? Provável) espera-se ao menos, mente aberta. Esperar apenas o velho feijão com arroz é uma problemática que poderia estar longe do universo do cinema. Ao passar pela cortina preta (no caso do CineSesc) seria mais interessante deixar do lado de fora o pensamento “o que espero ver” e manter aberta a oportunidade de desfrutar de uma experiência audiovisual, tendo ela um enredo ou não.

Action Painting Nº1 / Nº2 está na Mostra Brasil 9. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2015

A questão do roteiro nos curtas brasileiros

feliz aniversario-ed

por Adriana Gaeta –

Acompanhei com muito interesse as mostras Brasil, Latinos e Panorama Paulista. E o fato é que neste apanhado de curtas que assisti, o cinema brasileiro está em atraso em pelo menos um aspecto: o do roteiro. Sim, nós brazucas somos extremamente criativos, inovadores, temos um ritmo de narrativa e de montagem que faz com que nossos filmes (em geral) sejam gostosos de assistir. Sim, temos uma gama de temas abordados absurda, personagens reais (no caso dos documentários) interessantíssimos, nosso país tem histórias incríveis para contar. Mas como diz Nelson Rodrigues em sua famosa frase “teatro não é bombom com cereja” está faltando algo mais também em nosso cinema.

Minha impressão é que os filmes estão aí para agradar, são de fácil assimilação. Está faltando roteirista. Roteirista que acredite não na grande ideia, mas em ir mais fundo nos temas. Roteirista que acredite na inteligência do espectador. Roteirista que me convide para dançar, mas não conduza a ação da dama. Por outro lado, os latinos veem com uma força e um grau de maturidade na abordagem das personagens impressionante. Os hermanos tem técnica cinematográfica, mas também tem uma narrativa madura, densa, complexa. Eles fogem do maniqueísmo que é tão caro a nós brasileiros e em filmes como Bezerra, Feliz aniversário e O passado partido as personagens são complexas, contraditórias e por isso mesmo extremamente vivas.

Verdade que essa escolha pelo paradoxal faz de mim uma espectadora menos “emocional”. Não torço pelo final feliz. Aliás, algo me diz dentro da sala de cinema, que não haverá final e muito menos feliz. E essa libertação me aproxima de maneira muito diferente dos filmes latinos. A construção da personagem é mais ampla e por isso, elas não ficam restritas à situações simplistas. Não há o som de berimbau para ilustrar um documentário sobre a situação dos negros (USP 7%) ou a valorização passional da personagem feminina (Ciclo 7X1). O que quero dizer é que a abordagem da personagem não é única nem reta.

O curta O rapaz se masturba com raiva e ousadia é um exemplo disso. Filme sobre um bailarino que faz programas para sobreviver, não há na construção do filme trilhas, enquadramentos ou qualquer outro catalizador de minha emoção. Jonathan não é bom, nem mau, nem o que ele faz é certo ou errado. É a luta pela sobrevivência e ponto. Sem indução do espectador. O que posso concluir é isso: o que falta no cinema brasileiro é mais maturidade e menos mimimi.

Anfíbio: filmar o momento exato

anfibio

Armando Manoel –

Quando fazer um curta? Qual o melhor momento para se contar uma pequena anedota audiovisual? Que tipo de histórias serve ao curto espaço de alguns minutos? As perguntas não são literais, no sentido do tempo da produção, das intenções e da disponibilidade da equipe, ou, mais especificamente, da execução dum projeto qualquer. Proponho tais questionamentos para refletir sobre qual seria o momento exato a ser retratado num filme, como encontrar esse momento, como percebê-lo e, como representá-lo num curto intervalo de tempo? E, sobretudo, existe um momento exato para um filme?

Anfíbio, de Héctor Silva Núñez, nos ajuda a pensar sobre. Este conto sobre a viololência invisível e cotidiana nos apresenta 15 minutos de um drama familiar que se desenrola nos povoados de Santa Rosa de Agua e Capitán Chico, em Maracaibo, Venezuela. Ali, às margens de um grande lago, entre o mangue e o lixo, conhecemos o jovem Jesús procurando emprego para seu irmão mais velho José, que acaba de ser fichado pela polícia. O pai dos jovens exige que José arrume um emprego como condição para que ele continue vivendo sob o teto familiar que mantêm como pescador.

A atmosfera do filme é de preocupação. Essencialmente a preocupação de Jesús em relação a seu irmão. José parece muitas vezes já ter escolhido seu caminho, conversas e atitudes suspeitas marcam seu personagem. A Jesús só cabe tentar entender o que se passa. Investiga e acompanha o irmão mais velho, mas não parece compreender a dura realidade que os cerca. José sempre tem dinheiro e anda com telefone celular em meio a pobreza lacustre.

O vento sopra forte o filme todo, durante os dias e as noites. Parece uma mera condição geográfica, uma brisa tropical típica da região, mas é o incessante vento das mudanças. O pai dos garotos dá um ultimato a José: já que não há meios de encontrar trabalho, no dia seguinte, ele deve acompanhar o velho na pescaria, ou então, partir.

A tartaruga de estimação de Jesús escapa de seu pequeno recinto. José não aparece na hora marcada e arruma suas malas, Jesús tenta dissuadir o irmão da ideia. Não há como. A partida é inevitável. A melancolia se faz presente e acaba por justificar porque Jesús não poderá mais olhar com os mesmos olhos o ambiente anfíbio que o cerca.

Sem querer a vida segue. Muito talvez tenha mudado para Jesús, pouco, ou quase nada se altera naquele cotidiano marcado pelas muitas garrafas PET à deriva, e pela violência invisível que molda os homens do mangue. Héctor Silva Núñez apresenta com maestria o que gosto de chamar de eficácia de um curta-metragem. Ou seja, a capacidade de um curta de nos atingir intimamente e provocar os sentimentos e a reflexão sobre o mundo e a vida. Pensando na dualidade forma e conteúdo, Anfíbio responde bem a questão do momento exato demonstrando que experiências breves em termos temporais, mas sobretudo embuídas de particular sentido e valores simbólicos resolvem muito bem aos desafios do formato proposto e servem muito bem a um curta metragem.

Anfíbio foi filmado nas comunidades retratadas e conta com Jesús Manuel García,13 anos, e Franklin González, 20 anos, nos papéis principais. Ambos são naturais do local e não tinham experiência prévia como atores. O curta foi escolhido para a Sessão Cinéfondation no Festival de Cannes de 2015, sendo assim a primeira obra venezuelana a figurar nos 15 anos de existência da sessão – conhecida por revelar novos talentos da cinematografia mundial.

Anfíbio está na Mostra Latino-americana. Clique aqui e veja a programação do Festival de Curtas 2015

Memórias do Cine Argus: generosidade com o passado

memorias do cine argus-ed

por Rafael Dornellas –

Cidade de Castanhal, Pará: uma fusão entre o desbotado prédio do antigo Cine Argus e uma loja de material de plástico é realizada sob o mesmo enquadramento nos primeiros instantes do curta-metragem. A diferença entre as imagens do velho e do novo é clara. Mais significativo do que sua aparência é aquilo que é produzido nos dois tempos fundidos na transição: em um deles, plástico; no outro, cinema. É desse contraste que Edivaldo Moura usufrui para dar vazão a seu filme, e seu resgate à memória.

Não é a monumentalidade do prédio que é colocada em questão. Não é um olhar monumentalizante. O choque inicial entre arcaico e moderno é necessário para que se construa a partir de então a personalidade do antigo, ou daquilo que restou das memórias passadas. Os frequentadores, funcionários, seguranças, idealizadores, e todas as pessoas que de alguma maneira tiveram alguma relação afetiva com o finado Cine Argus, têm seu depoimento registrado no filme. E esse é um dos pontos centrais de Memórias do Cine Argus: a relação de afetividade e de homenagem ao cinema, e particularizada neste local específico, é sempre mediado através de pessoas, de suas falas.

O caráter humano se faz ainda mais necessário uma vez que é estabelecido um embate crítico entre o arcaico e o moderno na primeira fusão citada acima. O olhar se volta para o passado, para o humano. O edifício de décadas atrás projetava filmes e resultava em um acontecimento social na interação entre os moradores da cidade. Já o prédio novo é frio, empresarial.

Não havia outra maneira de abordar esse cinema de rua que não essa, de entrega, de abertura sentimental, de uma percepção da necessidade e importância de preservação da memória. O olhar generoso para o passado e para o cinema faz desse um documento honesto acerca de um cinema de rua desativado, e também de um momento histórico para um pequena cidade do Pará.

Sem idealizações gratuitas, os depoimentos também carregam em sua impressão imagética o desgaste e reclusão pelo tempo. Antigas fotos dos rostos jovens são intercaladas às rugas do tempo presentes, e o ponto máximo da humanização desse olhar é o momento em que o filme se atém a falar sobre o seu Duca (idealizador do cinema de rua de Castanhal) e como sua morte representou o fim daquele cinema.

Então a reflexão: a defesa realizada pelos moradores da cidadezinha de um cinema que possua sua recepção presente em tela grande, em um ambiente em que haja interação coletiva, contrariamente à dispersão do vídeo. Há, nas memórias dos entrevistados, a indicação de uma razão social presente naquele cinema – a possibilidade de convívio que era estabelecida pela chegada de um novo filme em cartaz, e a constatação de acuamento e reclusão perante o mundo pós-moderno.

Ainda que a narração do diretor que abre e encerra o filme possa parecer romantizada por demais, ela expõe sua honestidade perante o Cine Argus da mesma forma que os moradores de Castanhal relatam sua relação com esse cinema, da mesma forma também que nos são revelados os diversos cartazes de filmes que passaram por ele, documentando e resgatando a memória – em que o antigo, se não é idealizado em relação ao moderno, nos parece uma opção mais humana, enraizada na experiência de participar de uma sessão no cinema assistindo a filmes de cinema.

Memórias do Cine Argus está no Cinema em Curso 3. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2015

Retrato de Carmen D.: jogar para a câmera

retrato de carmen d-ed

por Valéria Tedesco –

O curta-metragem carioca que encerrou a sessão Mostra Brasil 5, na quarta-feira úmida do festival, foi claramente o auge da noite. Retrato de Carmem D., da diretora Isabel Joffily, se destaca pela intensidade de emoções e angústia que transmite através de seus personagens.

Tão complexo quanto a relação de mãe e filha que acompanhamos durante a narrativa seria tentar escrever sobre esse filme de maneira linear, na tentativa de criar argumentos que atingissem seu ápice no clímax da narrativa. O mundo em que a psiquiatra Carmem Dometto e sua filha Marcela vivem é, e aparenta sempre ter sido, marcado por picos e momentos de sossego que pouco fariam sentido em uma única linha temporal.

Vou começar pela piscina. O plano mostra uma mulher mexendo com as plantas cobertas de musgo que estão onde um dia foi (como nos narra a personagem) uma piscina limpa e em constante uso. Desde esse primeiro momento somos introduzidos a uma memória de infância cortada, modificada. Marcela se lembra rapidamente dos tempos em que a piscina ainda era utilizada, mas o assunto logo segue para o relacionamento difícil com a mãe.

Somos apresentados ao olhar de Carmem, e depois a ela. Sua primeira fala aborda os obituários como um de seus passatempos diários. A senhora, que passa de seus 70 anos, afirma que todos os dias olha o jornal para certificar-se de que está viva, e também para ver se algum de seus inimigos já morreu. Deseja, com calma e certeza, uma morte dolorida a todos eles, e que se lembrem dela no final, se possível.

Esse primeiro momento de Carmem é um dos mais fortes do filme, tanto narrativamente como com o reflexo do público. Os risos e descontração cessam de uma só vez quando vemos uma mulher de aparência frágil dizer aquelas palavras duras e frias. A partir desse momento, todo o filme será pautado na depressão e no cotidiano de mãe e filha, e as fortes consequências de um ato no passado.

A psiquiatra que agora atende seus pacientes na sala de sua casa, fora acusada pelo suicídio de um de seus pacientes, há década atrás. Nesse momento, cria-se a relação de sentido para a piscina vazia, o relacionamento distante e complexo que se criou entre as duas, o telefone que toca sem que Carmem se preocupe em atender.

E assim cria-se o ambiente de difícil convivência entre essas duas mulheres, com mágoas de infância, com cicatrizes de vida, com pequenos detalhes na casa que denomina o universo daquela senhora. Mas nada é tão forte até o momento em que a câmera torna-se o verdadeiro psiquiatra dessa relação e mostra em dose única e de maneira intensa todo o drama que envolve a vida de mãe e filha, ao menos nas últimas dezenas de anos.

O cenário é a cozinha. Toda a discussão começa com Carmem demonstrando seu primeiro ponto de fragilidade de forma escancarada, quando diz para a filha que ela deveria gostar de ter outra mãe. Poderia ser uma pequena discussão ou desabafo de qualquer relação materna, mas o diálogo a seguir cria um cenário de angústia, mágoas e de uma convivência extremamente dolorida ao mesmo tempo que amorosa entre as duas.

E então a câmera faz sua grande atuação. É para a câmera que mãe e filha jogam as cartas na mesa e assumem para o mundo um tratamento arisco que mantém, é para a câmera que elas afirmam estar enfim cansadas dos tratamentos baseados em insultos e discussões. É para a câmera que carinho e mágoa se unem em uma dança inseparável, pois finalmente desabafam uma para a outra suas loucuras e suas inseguranças, frente a frente, e na frente de todos nós, que outrora acompanhávamos com um leve riso a espontaneidade complexa dessa mulher, acabamos com nosso riso e nossas certezas junto com os musgos no fundo da piscina vazia.

Retrato de Carmem D. está na Mostra Brasil 5. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2015

Breves anotações sobre o Panorama Paulista

chaplin sp

por Lígia Hsu –

O estado de São Paulo é a mola propulsora do país, correto? Essa visão simplista de um Brasil dependente de apenas um estado felizmente/infelizmente não se aplica à produção audiovisual.
A sessão Panorama Paulista 3, um pequeno recorte do que vem sendo produzido no estado de São Paulo, me fez levantar duas questões:

– Por que somos tão corretos?
– Por que temos medo de ousar?

Os sete filmes possuem ótimas premissas, vê-se claramente um cuidado na forma, na decupagem, nos enquadramentos, na fotografia, no geral são tecnicamente muito bons, mas queria ver mais, muito mais.

Barqueiro, de José Menezes e Lucas Justiniano, fotografado em PB, possui um rigor nos enquadramentos e boa técnica. Tem uma das melhores premissas de roteiro desta seleção de filmes: uma noite na vida de um motorista do serviço funerário especializado na remoção de crianças. O filme avança lentamente até chegar no cerne da questão e apenas nos minutos finais consegue provocar alguma emoção. Recentemente fui uma das “clientes” do Serviço Funerário Municipal de São Paulo e consegui identificar o vazio que aquele espaço provoca através dos planos do filme, a solidão, a frieza do lugar. Tudo isso é mostrado de maneira muito correta e em boa parte do filme minha expectativa era por alguma coisa que desestruturasse esse rigor.

Pequena Aldeia, de Priscilla Pomerantzeff e Luciana Nanci, fala sobre a Praça Roosevelt e começa bem através do olhar de um argentino que vive num grande apartamento da praça. Depois o filme se mantém afastado de seus personagens e a câmera os observa do alto, como se estivéssemos vendo através das janelas. O filme cumpre bem essa visão, através do enquadramento em plongée, seguindo de longe as vidas que povoam a praça.

Tempo é Morfina, de Kamilli Semenov e Rafael Queija, trabalho de conclusão de curso do projeto Instituto Querô de Santos, cumpre com rigor as diversas técnicas aprendidas no curso, mas acaba sendo apenas isso.

USP 7%, de Daniel Mello e Bruno Bocchini, documentário sobre o racismo na maior universidade do Brasil, consegue trazer a essência jornalística de seus realizadores para a linguagem cinematográfica. Mas a discussão, importantíssima diga-se de passagem, sobre o tema acaba sendo unilateral.

Chapa, de Fábio Montanari, é o mais correto de todos e com uma ótima premissa de roteiro: dois funcionários de uma lanchonete são despedidos e resolvem assaltar o estabelecimento no dia do primeiro jogo do Brasil na Copa do Mundo. Uma comédia leve, com ótimos atores. Existe a tentativa da crítica ao novo substituindo o antigo, mas tudo é superficial. Cumpre bem o papel de comédia. Sempre me questiono o porquê de não nos aproximarmos do modelo clássico de cinema norte-americano, afinal, tem funcionado para eles por tanto tempo. O filme se aproxima bem desse modelo e aí vejo a armadilha do negócio: o filme é redondinho, seria assimilado tranquilamente pelo nosso público “sessão da tarde”, mas por se tratar de um filme nacional eu fiquei na expectativa do improviso, da malemolência, do jeitinho brasileiro. Engraçado isso, ainda mais se tratando do filme com mais referências ao Brasil.

As exceções são Conversa, de Luciano Arturo Glavina, que em 8 minutos mostra o encontro de um homem e uma mulher através da poesia do uruguaio Mario Benedetti. Uma única locação, dois personagens, fotografia impecável de Walter Carvalho. E Chaplin SP, de Matias Vellutini, um divertido stop motion que transforma o eterno Chaplin em um personagem tipicamente paulistano. Esses dois filmes tecnicamente tão bons quanto os demais, ousaram na narrativa e assim, aos meus olhos, se destacaram nessa programação.

Todos os filmes de alguma maneira me instigaram a querer ver mais. Mais dessa técnica correta sendo subvertida, mais dos roteiros sendo aprofundados e principalmente mais ousadia em contar histórias do nosso estado de São Paulo.

Clique aqui e veja a programação da mostra Panorama Paulista 3