Aqui, o jornal da edição 2012

Na edição de 2012, os participantes da oficina Crítica Curta foram convidados a redigir textos críticos sobre os filmes apresentados no Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo. O resultado foi a publicação de um tabloide, distribuído ao final do evento.

Ao todo 20 alunos de oito escolas de audiovisual escreveram sobre os curtas exibidos na Mostra Brasil, Panorama Paulista, Mostra Latino-americana, Oficinas Kinoforum e Mostra KinoOikos. Para baixar o tabloide, clique aqui.

Como revela a leitura dos 51 textos publicados nesta edição, esses jovens têm em comum apenas a faixa etária e o interesse em se dedicar à mesma área de atuação profissional. Suas ideias em relação ao cinema – e, em recorte mais amplo, ao audiovisual contemporâneo – são muito distintas. Tamanha diversidade possibilita compreender um pouco melhor as principais tendências de pensamento hoje em circula-ção nas escolas paulistas de audiovisual e, possivelmente, alguns dos valores políticos e estéticos mais próximos à geração que começa a chegar ao cenário da produção.

Boa leitura!

(Sergio Rizzo)

Reflexo do medo

O Duplo, de Juliana Rojas, é daqueles filmes assustadores por despertarem um medo de um tipo de maldade diferente. Maldade que encontrei em filmes de Roman Polanski, como O Inquilino (1976), apesar de o curta da diretora paulista não estabelecer essa relação. A maldade presente em O Duplo é uma maldade de outro tipo, aquela que pode estar adormecida dentro de qualquer um, até mesmo da pessoa de quem você menos espera.

É muito simbólico que uma professora do primário de um colégio católico seja afetada por essa influência maligna. Contribui ainda mais para o clima assustador e terrível do filme, completado também pelas crianças (crianças conseguem ser terrivelmente assustadoras). O som do colégio, das cantorias infantis, aquele som permanente de crianças e seus barulhos de meninice.

Esses barulhos do ambiente colegial conseguem ser tão perturbadores quanto o som do elástico batendo na pasta da professora de português, freneticamente. O ambiente construído vai se tornando gradativamente assustador e insuportável.

O Duplo se desenvolve sem mistérios narrativos. As alucinações, o sexo arisco, a transformação da professora angelical em espectro de maldade, tudo leva à mudança drástica da professora. O que é mais aterrorizante neste curta é que essa transformação gradual ocorre sem retorno.

Parece que desde o momento em que viu seu duplo, a professora foi capturada, apenas cedendo aos poucos àquela influência inevitável. A escolha de Sabrina Greve para protagonista não poderia ser melhor; existe algo de paralisante em sua face, olhos profundos que passam um sentimento de angústia e medo.

Não é necessário falar do talento de Juliana Rojas; além de notável, já é bem reconhecido. A direção segura, o ritmo de encadeamento dos planos, a escolha de enquadramentos perfeitos, a economia seguindo a receita “menos é mais”. Nas duas sessões em que assisti a O Duplo, a plateia ovacionou o curta-metragem. A direção madura e consciente de Juliana Rojas produziu um filme de “gênero”, sem abrir mão de escolhas estéticas e sem facilitar para ninguém.

A narrativa sedimentada nos detalhes, as interpretações dos atores, o desenho de som, o ritmo da montagem, tudo funciona organicamente, sem exageros nem apelações. A maldade presente em O Duplo assusta porque é parte da personagem, ainda que seu duplo, seu reflexo sombrio, mas parte dela. Como se existisse em cada um de nós essa faceta reprimida.

Renato Batata

O Duplo integra a Mostra Brasil 8 e a Semana da Crítica. Clique aqui para ver a programação do filme

Marcando posição nas sombras

A diretora Juliana Rojas achou seu lugar. Um lugar estranho, mas que já a coloca como um dos nomes importantes do cinema brasileiro, ressoando também além de nossas fronteiras.

Seu curta O Duplo sedimenta um estilo. Mostra Juliana como cultora de um realismo fantástico com tintas de terror e sua inserção no cotidiano, seguindo uma construção elíptica e de pequenas catarses que remetem ao cinema de Lucrécia Martel e um certo terror atmosférico oriental – Kiyoshi Kurosawa é um dos nomes que me vêm.

O curta narra o encontro de uma professora com seu duplo e as consequências disso. As informações são preenchidas aos pouco. Juliana e equipe são hábeis em trabalhar com esses elementos como, por exemplo, não situar diretamente o tempo em que se passa a história, brincando com o texto introdutório que cita o caso de uma professora no século 19. A trama do curta se passa atualmente e é uma pequena surpresa quando surgem elementos modernos. Coisas assim vão se avolumando até a quebra entre impressão e real no encontro de pais no auditório, e o violento final.

A figura do duplo é recorrente no cinema fantástico. Outro elemento que surge é do vampiro, em um registro mais próximo do canibalismo, como o que Claire Denis fez no longa Desejo e Obsessão (2001). Denis também pode ser citada como influência para o estilo de Juliana, com sua concisão sensorial.

Esse limite com o fantástico não é tão bem visto na história do cinema brasileiro, mesmo com nomes como José Mojica Marins e Fauzi Mansur tendo feito trabalhos extraordinários. Sempre bom ver alguém traçar esse caminho com elegância e expandindo esses limites, já deixando sua marca de excelência.

Carlos Alberto Farias

O Duplo está na Mostra Brasil 8. Clique aqui para ver a programação do filme