Doble Chapa: além do horizonte

doble chapa

por Andréia Figueiredo –

É incrível pensar o quanto são diversificadas as possibilidades de temas que podem ser tratados em curtas-metragens, o que faz com que grande parte das vezes o espectador se surpreenda com as abordagens de cada assunto. Uma verdade incontestável é que não importa suas impressões sobre o filme, suas percepções jamais serão as mesmas depois da experiência. Uma citação que sintetiza muito bem o que estou tentando dizer é a do cientista Albert Einstein, que diz que “A mente que se abre a uma nova ideia, jamais voltará ao seu tamanho original”.

O curta-metragem Doble Chapa dos diretores Diego Vidart e Leo Caobelli, uma parceria entre Brasil e Uruguai, demonstra muito bem a ideia de abrir, literalmente, novos horizontes e explorar lugares. O filme conta sobre a viagem dos diretores pela fronteira do Brasil e do Uruguai, seu passado e seu presente, seus habitantes e as suas percepções, além de uma profunda discussão sobre a questão dos limites territoriais.

Procurando saber o significado de “doble chapa” descobrimos que quer dizer “filho de brasileiro com uruguaio”, com origem na época em que as fronteiras entre Santana do Livramento e Rivera foram abertas, e os carros circulavam de um país para o outro usando duas placas, uma brasileira e a outra uruguaia. O filme aborda muito a questão das fronteiras em si e usa de citações belíssimas de autores que dizem que no mundo não há fronteiras, mas que os homens criaram nações. É uma experiência muito curiosa assistir ao curta, pois faz com que conhecemos uma parte do nosso país e além. Durante os 20 minutos tentamos lembra de nossas aulas de histórias, de áreas que foram palcos de diversas batalhas e disputas por território.

Doble Chapa é uma experiência inesquecível por se tratar de uma intensa viagem de descobertas, tanto para os diretores quanto para os espectadores. Conhecemos cenários, pessoas e locais que pouco teríamos contato sem esse material. Outro ponto a favor é o uso de uma linguagem poética ao nos mostrar as belas imagens do sul do país. Refletindo mais profundamente, posso afirmar, esse curta se trata de uma viagem ao passado e ao presente de uma terra que já viveu muito e viu grandes momentos, e que agora, se encontra calma e tranquila, como deve ser.

Doble Chapa está na Mostra Brasil 9. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

Amor obscuro

Em Amores Passageiros, de Augusto Canani, partimos das imagens pálidas da cidade, de seus viadutos pichados, para adentrar a escuridão das galerias subterrâneas do esgoto, junto com o recluso Benites (Osmar Prado), e descobrir que seu trabalho solitário e distante do mundo espelha sua vida, que está prestes, estranhamente, a se transformar.

Lá embaixo, ele fica admirado com a descoberta do cadáver de uma bela garota. Esse acontecimento reativa a sua vontade de viver um relacionamento, trazendo um facho de luz à sua jornada na escuridão. Assim, nos tornamos quase cúmplices desse homem e de seu amor.

Amor que age como um sopro de vida para o protagonista. Paradoxalmente, é na morte que ele encontra uma razão para reviver. Dessa forma, percebemos o quanto ele mesmo era um “morto-vivo”. Mas o tema, tratado com sensibilidade, nos inspira compaixão em vez de repulsa pelo protagonista.

Afinal, nos afeiçoamos a Benites em sua tentativa de aplacar a solidão. Agora, ele se preocupa novamente em arrumar a casa, começa a consertar a porta e até compra um vestido para a sua “esposa”. As mudanças chamam a atenção dos colegas de trabalho e dos vizinhos, mas é o mau cheiro vindo de seu apartamento que se torna um problema para a sua necessária discrição.

O terceiro curta de Augusto Canani — ao contrário do seu anterior, o curioso Amigos Bizarros do Ricardinho (2010), que apostava em uma variedade de personagens e situações — investe no isolamento do protagonista, além da harmonia entre os enquadramentos, da paleta de cores e da maquiagem, que contribuem para o tom lívido e mórbido da história.

O diretor também se utiliza, para esse propósito, da trilha sonora que evidencia a cortante solidão dos ambientes, de uma interpretação de gestos e olhares, e em situações mais íntimas, como quando Benites e a falecida assistem à televisão juntos ou quando ele cuida da aparência dela.

Por fim, Benites, diante da chance de terminar seu relacionamento, escolhe ser fiel a ele, uma escolha difícil, mas coerente com a fatalidade de seu obscuro amor.

Marcelo Félix Moraes

Amores Passageiros está na Mostra Brasil 9. Clique aqui para ver a programação do filme