Laio: danos e projeções

laio

por Letícia Fudissaku –

De todos os curtas que vi neste festival, Laio foi o que deixou em mim uma impressão mais duradoura. Talvez pela temática, talvez por ser baseado em fatos reais, o curta passa uma forte mensagem, que transcende o âmbito da orientação sexual. A cena inicial já é bastante ousada, e causa um incômodo no espectador – menos pela situação representada do que pela trilha, que gera uma ambientação quase sinistra.

Essa sensação, como um mau pressentimento, me acompanhou durante todo o curta. Pensava o tempo todo “Tem alguma coisa errada, vai acontecer alguma coisa ruim”. Por isso, reconheço que a trilha é o elemento mais marcante do curta. Mas mesmo em cenas que a trilha é mais branda, alguma coisa – uma fala, um gesto, um enquadramento – mantém esse clima um tanto estranho, dando coesão à montagem.

A estrutura em crescente do curta não deixa a desejar quando chega em seu clímax: sem dar muitos detalhes, digo apenas que a cena é perturbadora, a ponto do espectador se sentir impotente em relação ao que vê. Pode ser uma visão um pouco exagerada da minha parte, mas foi o que senti. O que mais incomoda é a atitude de projetar todo os seus piores sentimentos em outras pessoas, que em nada contribuíram para tanto – e pensar que isso de fato acontece frequentemente.

O curta se torna ainda mais significativo, aliás, quando se tem a informação de que Laio é um dos poucos personagens bissexuais da mitologia grega. Apesar de ter utilizado termos de conotação negativa, Laio muito me agradou pela reflexão que ele propõe, ressignificando crimes de ódio – no sentido de que, às vezes, o problema não é o que o agressor sente pelo agredido, mas o que sente sobre si mesmo. Ao se sentir fraco, o protagonista arranca a força de dentro de si de forma brusca e egoísta. Laio é o retrato dessa injustiça, causada nada mais, nada menos que pela frustração.

Laio está na mostra Panorama Paulista 1. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

Quito: os conflitos e dúvidas da adolescência

quito

por Beatriz Modenese –

Caracterizada por ser um período de transição, a adolescência é uma fase da vida composta por conflitos e dúvidas. Quito, de Rui Calvo, é um retrato extremamente fiel e simples das agonias e delícias de ser um adolescente.

O garoto, que dá nome ao curta, pela primeira vez depara-se com uma certa liberdade, e com essa, a responsabilidade em suas escolhas. A dificuldade de escolher um curso de graduação, as dúvidas em relação ao que se quer ser no futuro – quando não se há a mínima ideia. Quito, que vai de bicicleta à escola, busca agora dinheiro para conseguir tirar sua habilitação. Sente-se inferior ao amigo que dirige, que nem carta possui. Como ele mesmo diz em certa cena, sente “inveja”. A competição está sempre implícita nas relações não apenas jovens, mas acredito eu que em qualquer fase da vida.

A narrativa também encontra caminho para outro tema: os desentendimentos entre pais e filhos. As ideias não se encontram, e quando mãe e filho se desentendem em relação à habilitação (enquanto ele quer tirá-la, a mãe contrapõe: “a gente nem tem carro”), tudo toma proporções maiores (“não preciso mais pagar seu vestibular então”, “seja homem e venha aqui olhar na minha cara”). Quito é um personagem padrão: 18 anos, preocupado com sua imagem, apresenta conflitos de personalidade, sexualidade, superioridade, familiares. Acredito que a identificação do espectador nas personagens é parte importante, já que em mínimos detalhes, este objetivo é atingido. Por exemplo, numa cena na qual um funk conhecido toca, ou as “brincadeiras” feitas na escola.

A narrativa é leve e o tema comum. A temática adolescência é explorada de forma pouco aprofundada. O espectador busca durante todo o enredo um clímax, um turning point. Mas quando vê, acaba. Final esse que não carrega qualquer resolução aos conflitos do garoto, e a conclusão que levamos é a mesma que temos, ao viver: problemas sempre haverão (“E ai?” “E ai o quê?” “É isso, ué”).

Quito é a prazerosa tradução de uma tendência contemporânea do cinema brasileiro, que volta-se cada vez mais ao público jovem; público este que está sempre em busca, principalmente através da arte, de desmistificar suas agonias e dúvidas em relação à vida.

Quito está na mostra Panorama Paulista 2. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014