Close: corpo presente

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por João Pedone –

Não são poucos os filmes exibidos no Kinoforum que falam sobre a dor da perda, mas Close é um dos únicos que encara a morte sem se debruçar sobre desdobramentos emocionais, talvez porque a morte aqui tenha um sentido não casual, mas simbólico.

Um menino vive sozinho com um pai solteiro, até o dia em que o menino acorda e o pai está morto. Na cena em que o menino encontra o corpo do pai – situação que prescinde de explicações a respeito das condições da morte –, seu único gesto é beber o copo de uísque que o pai havia deixado sobre a cômoda, mas ele não expressa nenhum tipo de descontentamento.

Pelo contrário, o menino assume um tom altivo depois do evento. Ele não avisa quem quer que seja a respeito da morte, conservando o cadáver (com o qual conversa) e passa a investigar os armários e gavetas, descobrindo pôsteres e músicas antigas e gravações de vídeo do pai e de si mesmo quando criança. É curioso perceber que essa morte não é entendida como perda, mesmo o menino tendo consciência de que o pai está, efetivamente, morto: ele evita sistematicamente a entrada de outras pessoas na casa. Que morte é essa, então, que não é perda?

Como dizia Machado de Assis, “agora que está morto, podemos falar bem dele”. O fim da existência material de uma pessoa preserva sua memória, moldada individualmente por cada um dos memoriosos. O pai falecido, o menino não precisa encarar suas contradições e ausências e pode se relacionar muito mais facilmente com a ideia de “pai” e com todo o universo simbólico a ele associado, universo esse de uma “mitologia masculina”: o tomar uísque, o fazer a barba, o ser um “homem grande”, vocativo que o pai endereça ao filho.

O filme se passa em torno da data do aniversário de treze anos do menino, a respeito da qual ouvimos pela primeira vez o pai dizer que seu filho é um “big man”. Da mesma forma, numa gravação antiga do nascimento do nosso protagonista vê-se o pai chamando o menino de “big man”. A morte do pai, então, assim como o aniversário é marca indelével da passagem do tempo, parte de um ritual de transição onde ele se torna um homem adulto. Essa morte, então, tem um sentido necessário e progressivo, porque permite ao rapaz acessar todo um universo material que a presença do pai impedia – quase uma cadeia sucessória.

E, no entanto, o menino não enterra esse cadáver, não se desapega dele, da mesma maneira que ainda se apega aos sentidos de uma masculinidade tradicional. Ele reconhece a fragilidade desses sentidos e dessa relação, e por isso preserva o espaço da casa da presença das duas mulheres, da mesma maneira que omite o acontecimento e interioriza a questão, preservando-a de questionamentos: ele prefere continuar a viver com o corpo morto do pai.

Desde o começo do filme vê-se o menino fazer questão de ir para casa cedo, deixando para trás sua amiga. Vê-se o pai sair, deixando o menino sozinho, entediado: a existência dele é condicionada pelo pai. Mas é só no fim do filme que entende-se que essa posição é voluntária, e que ele é quem mais deseja se tornar um “big man”, mantendo vivo o desejo do pai.

Close está na Mostra Internacional 6. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014