Paraíso de água

cloro

por Andréia Figueiredo

Uma luz cegante! É assim que começa um dos estreantes do 25º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, Cloro, do diretor Marcelo Grabowsky. A luz, logo descobrimos que se trata do sol e que agora, pensando, certamente é um dos personagens principais dessa história, já que grande parte do roteiro é gravado sob a forte e constante luz solar, que cega o espectador logo no início.

Um fato interessante é que o enredo se passa em uma casa de luxo e em seu quintal, onde há uma piscina. Podemos ver a casa mas não podemos entrar, essa é a sensação que tive, já que nem mesmo a câmera chega à penetrar na residência, dando a entender que há mais coisas que acontecem ali dentro do que sabemos. A piscina é outro personagem, já que os conflitos ocorrem não somente ao seu redor, mas dentro dela também.

O filme gira em torno de uma garota que acabara de completar seus 15 anos e vive em sua luxuosa casa, cercada de regalias e empregados. Só que por trás de todo esse belo cenário, há uma família em crise e dois filhos afetados pelo relacionamento dos pais. Uma das mais belas cenas é quando a Clara, a irmã mais velha, põe-se a descobrir o que há de errado com o caçula, que não diz nada, apenas faz um leve gesto com a cabeça indicando a discussão dos pais. Palavras não são necessárias.

Fica evidente que Clara, a personagem principal, está passando por uma fase de mudanças, de questionamentos e desejos. É possível perceber a ausência e a falta de interesse dos pais de Clara por ela, tendo como base para isso o descaso da mãe, que toma seu banho de sol, quando a filha chega da escola. Além disso, nos é mostrado os fortes desejos que a personagem sente pelo novo empregado da casa, fantasiando com ele momentos íntimos em seus momentos de ócio.

Cloro definitivamente é um filme que tenho que parar e refletir mais um pouco a seu respeito para, em seguida, assisti-lo novamente. Isso porque é um curta metragem que nos prende do começo ao fim, enquanto nosso cérebro tenta entender qual é o próximo passo. O desfecho continua uma grande incógnita para mim, pois é difícil imaginar qual é a cena que se sucede à final. A minha dica é que vocês assistam ao curta, pensem e reflitam. Só sei que eu farei o mesmo nos próximos dias.

Cloro está na Mostra Brasil 4. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2014

Sobre barbas, gotas de sangue e saudades

a navalha do avo-ed

Certa vez, um mágico das palavras disse – assim, como quem não quer nada – que as pessoas não morrem e que ficam encantadas. A Navalha do Avô é sobre esse “encantar-se” de Guimarães Rosa. Carregando consigo frescos Kikitos (melhor ator e roteiro em Gramado), o curta com roteiro assinado por Pedro Jorge e Francine Barbosa narra com sensibilidade e sem pieguice a relação entre avós e neto.

Sustentado pelas miudezas do cotidiano, nas pequenas impaciências com os mais velhos e, ao mesmo tempo, nos carinhos sem-fim, o curta diz muito com poucas palavras. O avô José, vivido pelo crítico, roteirista e escritor Jean-Claude Bernardet, está no cotidiano do neto Bruno não apenas quando a avançada idade e a sua saúde debilitada demandam atenção. O neto respira os avós, presentes até mesmo nos retratos rascunhados, feitos no papel pardo do pãozinho da padaria.

Sem grandes eventos, o espectador é conquistado pelo carisma do silencioso avô para conviver por alguns momentos com a família, seu passarinho e a sua navalha. A representativa (e doce) navalha do título. É por meio dela que conhecemos, de fato, a barbearia, já presente no lindo e dramático prólogo. As memórias dos companheiros de barba do avô tocam o jovem neto, que passa a cuidar do avô com ainda mais afeto. A passagem representada pela visita de Bruno à barbearia, quando assume o controle da navalha, é um marco do processo de mudança. O humor e uma pequena dose de terror dão o tom à sequência.

Por trás de um roteiro singelo, mas profundo; de atuações excelentes (destaque para o protagonista Kauê Telloli); uma montagem que privilegia o silêncio e as elipses e tantos outros aspectos técnicos de muita qualidade, está a competente e talentosa direção de Pedro Jorge. A Navalha do Avô é um destes curtas sobre a ausência daqueles que são tão presentes. Um filme que fica gravado na cabeça e no coração, principalmente naqueles que já tiveram algumas destas pessoas “encantadas” por perto.

Camila Fink

A Navalha do Avô está no Panorama Paulista 2. Clique aqui e veja a programação do filme no Festival de Curtas 2013