Pequena Aldeia: A Praça Roosevelt em disputa
por Adriana Gaeta Braga –
O começo do curta Pequena Aldeia já nos dá uma ideia do que será o filme: um argentino narra sua relação com a cidade e com o país. O “olhar do estrangeiro” é menos um estranhamento do que é visto e mais um saudável afastamento brestianiano das mazelas da cidade e de suas personagens.
Com imagens em plonglée (ou seja, sempre vistas de cima para baixo), enquadramento que também reforça o nosso olhar de espectador, aos poucos vamos nos (re)conhecendo nestas pessoas que passam anônimas pela nossa câmera/janela.
A praça Roosevelt talvez seja um dos símbolos mais representativos da “nova” cidade que está sendo almejada. Sua construção foi demorada e controversa, entrando em choque com diversos interesses econômicos, sociais e imobiliários. Antes, uma região desprezada, a Roosevelt se tornou símbolo da reinvenção urbana em uma cidade que empurra para fora de seus espaços públicos o cidadão comum.
Praça que em seu projeto original abrigaria uma floricultura e quiosques para uso comum, a Roosevelt tem, em vez disso, a estrutura ocupada pela Guarda Civil Metropolitana. No curta esses conflitos são expostos, escancarados pelo flagrante de uso do espaço público pelas diferentes tribos que ocupam a praça. Skatistas disputam lugar com os idosos. Coletores de papel são vigiados de perto pela polícia, além de “noias” pelos cantos e também os bêbados restantes da noitada nos bares do entorno.
De certa forma, a praça neste curta representa, em seu microcosmos, tudo o que São Paulo vive e é. A Rooselvelt se tornou um lugar único: praça sem árvores, praça sem sombras, praça ícone do mais árido e cimentado da cidade, a praça só pode realmente merecer este nome pela riqueza das personagens urbanas que nela desfilam e convivem, muitas vezes em pé de guerra. A Roosevelt é uma praça tão mutante como as fases da lua, onde fincar seu lugar “é um pequeno passo para o homem, mas um grande passo para a humanidade”. Espaço de repouso e luta, lugar de encontro e solidão. Lugar de eclipses diários e de supernovas possíveis.
Pequena Aldeia desperta esses sentimentos contraditórios em relação à nossa paisagem paulistana. Em um momento onde o “repensar” da ocupação e do uso do espaço público está tão em alta na cidade (ciclofaixas, fechamento da Paulista aos domingos, minhocão em festa), assistir a esse curta torna-se uma experiência mais que sociológica. Diria mesmo, que nesses tempos de extremismos de polaridades, se torna uma experiência necessária.