ANIMAÇÃO: GÊNERO OU LINGUAGEM?

Três personagens ajudam a responder uma pergunta

Apesar de avançar em muitos espaços até então inéditos, ainda hoje a animação encontra muitas barreiras, de gente que torce o nariz por considerar que “não é exatamente cinema”. Ou que associa sempre animação ao universo infantil, já que boa parte das produções mais vistas são voltadas para esse público, principalmente na TV aberta.

Mas as coisas estão mudando. A TV vem perdendo espaço nos últimos anos para a internet como principal vitrine dessa arte (que é ainda mais antiga que o próprio cinema). E, nesse terreno democrático da rede, a variedade é mais ampla, além de apresentar muitos canais diretos de comunicação com os artistas criadores.

O programa “Animação: Gênero ou Linguagem?” ajudou a ampliar essa imagem sobre as possibilidades do filme de animação. Três das animações eram filmes brasileiros premiados em diferentes festivais do mundo e que trazem emoções para todos os gostos.

Em “Vênus-Filó a Fadinha Lésbica”, o realizador Saulo Leite nos traz uma fabula adulta e multicolorida, com cenas pra lá de ousadas, baseado em um poema de Hilda Hilst, e narrado pela maior estrela viva de nosso cinema, Helena Ignez, que segue superativa tanto no teatro quanto no cinema.

A história de Filó é contada numa animação altamente erótica, que usa a técnica da rotoscopia para apresentar a sedutora personagem-titulo, um ser mítico/urbano, macho/fêmea sedutora que, tal qual o boto do nosso folclore, se transforma à noite, causando alvoroço na cidade. O filme vem alcançando vôos altos e foi indicado ao Teddy Award deste ano.

“Castillo y El Armado” nos leva para um dia num cais pouco amigável, em preto e branco, numa ilhota entre Uruguai e Brasil. Acompanhamos a rotina de um estivador, seu trabalho, sua família e sua luta feroz à la Hemingway, na qual tenta domar um peixe monstruoso.

O movimento da cena de pesca parece um balé violento, de uma brutalidade que salta da tela. Conseguimos sentir o cheiro do peixe, da maresia e do sangue, enquanto a linha corta a pele do estivador — talvez dada a rudeza do traço, não sei se é isso, mas que é uma sensação forte, isso é! A produção do diretor brasileiro Pedro Harres é falada em espanhol e sua história é baseada num fato verídico ocorrido com Rubens Castillo, diretor de arte do filme.

A última animação brasileira do programa foi de Cesar Cabral. “Tempestade” é livremente inspirado na canção dos Beatles, “Eleanor Rigby”, e traz um marujo solitário que tenta vencer uma grande tormenta, tendo como bússola a amada que o espera, e que ele traz consigo na foto pregada na parede.

O filme se aproveita muito bem da infindável tempestade que mostra para brincar com diferentes fontes de luz de que o personagem dispõe, entre chamas, relâmpagos e lampião. Outra coisa muito impressionante nesse trabalho é a textura do mar, ainda mais se você puder vê-lo na amplitude da tela grande do cinema, uma mistura de realismo assustador com o expressionismo, em se pode ver, nas ondas, imensos rolos prestes a esmagar a embarcação do herói.

Durante essa viagem que a sessão proporciona, a resposta já se desenha pra quem ainda estava com a folha em branco. Animação não é gênero, não! Mas, sim, linguagem de mil possibilidades, técnica pra lá de generosa que serve pra assustar, emocionar e ir muito além do que os atores de carne e osso conseguem, até por conta do imaginário que temos construído sobre animação.

Um território onde tudo é possível, desde os inimagináveis ressuscitamentos do desenho do Papa-léguas até o mais realista dos dramas, como vimos em “Valsa com Bashir”, ou filmes com forte questão social e poesia, como os premiados longas brasileiros “Uma História de Amor e Fúria” e “O Menino e o Mundo”.

(Ande Romano)

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